A sentença de Moro: entenda quais são as consequências eleitorais para Lula

Atualizado em 14 de julho de 2017 às 8:01
Paulista, 12 de julho de 2017 (foto Zambarda)

Publicado no Justificando.

 

A condenação  

Para além de posicionamentos pessoais, sejam eles de crítica, antipatia ou enaltecimento, a Operação Lava Jato certamente será um dos principais objetos de análise e estudo das Ciências Criminais brasileiras (Direito Penal, Processo Penal e Criminologia), além de outros ramos do Direito (Constitucional e Eleitoral) que de alguma forma tangenciam a operação.

O dia 12 de julho de 2017 – o mesmo em que foi aprovado no Senado o projeto de lei que trata da reforma trabalhista (PL 38/2017) – pode ser considerado um dos seus ápices, na medida em que o Juiz Sérgio Moro, da 13ª Vara Federal de Curitiba/PR proferiu sentença (de 218 páginas) condenando o ex-Presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, na Ação Penal nº 5046512-94.2016.4.04.7000/PR.

Evidente que a brevidade de um texto não é capaz de esgotar todas as nuances, complexidades e polêmicas que envolvem a operação como um todo, muito menos explorar todos os aspectos da sentença. No entanto, sua parte dispositiva – que detalha a condenação de cada réu – merece destaque, para que se compreendam as consequências processuais (os rumos que a ação pode tomar) e eleitorais da decisão, pois muito se fala sobre a possível inelegibilidade de Lula para as eleições de 2018, como um dos efeitos diretos da sentença criminal.

Pois bem. Lula foi condenado pela prática dos crimes de corrupção passiva (art. 317, §1º, do Código Penal) e de lavagem de dinheiro (art. 1º, caput, da Lei nº 9.613/98), cujas penas somadas totalizam nove anos e seis meses de reclusão, em regime fechado.[1] Corrupção passiva[2], pelo recebimento de vantagem indevida decorrente em parte dos contratos do Consórcio CONEST/RNEST celebrados com a Petrobrás, gerando propina destinada pela OAS a agentes políticos do Partido dos Trabalhadores (PT). Foi aplicada a majorante do §1º[3] ao ex-Presidente por ter indicado Diretores da Petrobrás que se envolveram em crimes de corrupção e os mantido no cargo, mesmo ciente do envolvimento na arrecadação de propinas.

Neste esquema, Lula teria sido, segundo a narrativa da acusação, acolhida pelo magistrado, um daqueles beneficiados materialmente pelas propinas recebidas: cerca de R$ 2.252.472,00 (englobando o preço do apartamento tríplex e do custo das reformas). A atribuição de um imóvel sem o pagamento do preço correspondente, com fraudes documentais nos documentos de aquisição, caracterizaria condutas de ocultação e dissimulação, reunindo os elementos configuradores do crime de lavagem de dinheiro.

Estes seriam, em linhas bastante gerais, os termos da condenação imposta a Lula pelo Juiz Sérgio Moro, o que, por si só, já é capaz de gerar intensos debates entre criminalistas, especialmente pela alegada ausência de provas (em relação ao ex-Presidente) que fundamentem as condenações por corrupção passiva e lavagem de dinheiro.[4]

Isto para não falar das nulidades processuais, outro tema que vem sendo amplamente abordado, seja pela duvidosa condução coercitiva de Lula – resultando num verdadeiro espetáculo midiático –, pela flagrante ilegalidade das intercepções telefônicas, pela questão da competência (todos os julgamentos foram concentrados na 13ª Vara Federal de Curitiba) e pela imparcialidade de Moro[5], para citar alguns exemplos.

Chama a atenção os trechos da sentença que discorrem sobre o direito de Lula de recorrer em liberdade (item 957 e seguintes). Moro afirma inicialmente que “até caberia cogitar a decretação da prisão preventiva do ex-Presidente Luiz Inácio Lula da Silva”.

Sabe-se que, a decretação da prisão preventiva – prisão do réu antes de sua condenação definitiva – pode ocorrer em quatro hipóteses:

i) como garantia da ordem pública;

ii) como garantia da ordem econômica;

iii) por conveniência da instrução criminal;

iv) para assegurar a aplicação da lei penal, todas elencadas no art. 312 do Código de Processo Penal.

No entanto, Moro não faz menção aos requisitos previstos em lei, mas ao suposto “comportamento” de Lula: a) intimidando o magistrado e outros agentes da lei (delegados e promotores), através da propositura de queixa crime, de ações de indenização por crimes contra a honra e ação de indenização contra jornalistas; b) proferindo declarações públicas inadequadas sobre o processo.

Ora, no caso da primeira situação apontada, ao que parece, trata-se de mero exercício do direito constitucional de ação (art. 5º, XXV, da Constituição Federal), que enquanto direito fundamental, não pode ser encarado como forma de intimidação, mas antes de tudo, meio através do qual qualquer cidadão aciona o Poder Judiciário para que aprecie lesão ou ameaça a direito.

Quanto à segunda conduta do ex-Presidente, descrita por Moro, também se trataria, ao nosso ver, de exercício do direito fundamental de livre manifestação do pensamento (art. 5º, IV, da Constituição Federal), na qual Lula expressa o seu inconformismo no que diz respeito ao andamento da Operação Lava Jato, que lhe atinge diretamente.

O magistrado conclui pela possibilidade de apresentar o recurso de Apelação em liberdade, aguardando o julgamento da instância superior (Tribunal Regional Federal da 4ª Região – TRF4) antes de extrair as consequências da condenação, “considerando que a prisão cautelar de um ex-Presidente da República não deixa de envolver certos traumas”.

Os trechos da decisão condenatória destacados neste texto causam verdadeiro estranhamento, pois nestas passagens Moro utiliza argumentos totalmente alheios à lei, à doutrina e à jurisprudência (as “fontes do Direito” por excelência), voltando suas atenções sobre o “comportamento” de Lula e sobre acontecimentos relatados pela imprensa hegemônica.

A decretação de sua eventual prisão preventiva nada tem a ver com o envolvimento de “certos traumas”, muito menos com o clamor social e midiático, mas tão somente com o preenchimento dos requisitos legais, objetivos, da prisão preventiva (art. 312 do CPP). Isto porque o poder punitivo estatal deve ser exercido através da lei, e não a partir de subjetivismos e casuísmos dos julgadores, característica que diferencia sociedades democráticas de sociedades autoritárias.

Para além de tais apontamentos, a concessão do direito de recorrer da sentença em liberdade faz com que os efeitos da condenação (privação da liberdade, suspensão dos direitos políticos, dentre outros) não incidam na sequência, para a frustração de uma parcela da população brasileira, que gostaria de ver o ex-Presidente preso imediatamente.

Significa dizer que a sentença está sujeita à interposição de recurso de Apelação (art. 593, I, do CPP), que será julgada pela instância superior (TRF4). Mesmo após proferida decisão colegiada, outros recursos podem ser manejados, como os Embargos de Declaração (se houver ambiguidade, obscuridade, contradição ou omissão) e os Embargos Infringentes (caso não seja unânime a decisão de segunda instância, desfavorável ao réu).

Não obstante o preocupante entendimento do Supremo Tribunal Federal[6], de que a execução provisória de acórdão penal condenatório proferido em grau de apelação não compromete o princípio constitucional da presunção de inocência (art. 5º, LVII), a jurisdição das instâncias ordinárias (1º e 2º grau) deve ser exaurida antes que se inicie a execução provisória da pena.[7] Em outras palavras, o mandado de prisão contra o ex-Presidente não será expedido até que existam recursos com julgamento pendente na segunda instância.

A candidatura

Independentemente da adequação ou não da decisão, contudo, ela existe, e pode trazer consequências diretas na vida política do réu, especialmente considerando que Lula já havia declarado sua pré-candidatura às eleições de 2018.

Em regra, como se viu, as condenações penais só surtem efeitos após o trânsito em julgado das decisões, embora a chamada Lei Ficha Limpa e o recente posicionamento do STF sobre a possibilidade de prisões após decisões colegiadas subvertam um pouco essa lógica, a decisão de Moro ainda não produz consequências imediatas, por se tratar de decisão de juiz singular.

Assim, não é possível saber a partir dessa condenação se Lula será ou não candidato à presidência. A princípio Luís Inácio segue elegível e no pleno exercício de seus direitos políticos.

A verdade é que a análise dessa situação não pode ignorar que Lula é um homem público, possivelmente o homem público mais influente que já foi julgado pelo Judiciário brasileiro. Seu julgamento extrapola o âmbito processual e desperta paixões de todos os tipos, e as manifestações acaloradas exigem respostas imediatas e nem sempre muito racionais.

Em um cenário de tamanha efervescência, não se pode perder de foco que o direito político passivo (o direito de ser votado) faz parte do rol de direitos fundamentais, e direitos fundamentais não devem ser limitados pelo grito popular, não importa o quão alto seja.

A – constitucionalmente questionável – Lei Ficha Limpa já cria a inelegibilidade decorrente de condenação penal desde que essa condenação tenha sido confirmada em um julgamento colegiado assim, ignora a lógica de permitir que uma decisão produza efeitos somente após ser irrecorrível, mas ao menos não dá a possibilidade de que um juiz isolado possa definir quem será ou não candidato em um país. [8]

Comemorar que uma pessoa pode sofrer restrição de direitos fundamentais sem decisão terminativa do judiciário porque “ao menos isso não pode ocorrer com decisão singular” parece insanidade. Mas num cenário tão tomado por discursos moralizadores com a finalidade quixotesca de “acabar com a corrupção”, marcar a importância de cada mínima garantia parece relevante.

Ainda que se nutra por um réu, qualquer que seja ele, o mais profundo ódio, não é minimamente razoável que uma sociedade aceite que um juiz único tenha nas mãos o poder de decidir sozinho o destino desse réu.

Ainda que se concorde que o combate a corrupção é uma pauta relevante (quando não é vazia ou simplesmente panfletária), não é possível acreditar que exista um único homem capaz de resolver esse problema e seja ele o mais apto a dar a palavra final.  Acreditar que somente um juiz é detentor de toda a sabedoria e esclarecimento necessário para definir, sozinho, quem é ou não culpado, seria decretar a falência do Poder Judiciário.

Assim, a defesa de Lula irá, certamente e legitimamente, utilizar todos os recursos possíveis para reverter o resultado da sentença, ainda que não reverta, esses recursos postergam a existência de uma decisão de segundo grau.

A candidatura de Lula, portanto, está dependendo do momento em que irá decidir o Tribunal Regional Federal da 4ª Região.

Evidente que caso o TRF4 reforme a decisão de Moro e decida pela absolvição de Lula, isso não trará nenhuma consequência eleitoral. Os cenários hipotéticos a serem analisados, portanto, são de eventual confirmação da decisão.

Não é possível prever quanto tempo o Tribunal levará para julgar o recurso que será interposto, em média o tempo de julgamento para os casos oriundos da Lava Jato, que em regra são mais complexos, tem sido de um ano. Assim, é de se esperar que até julho de 2018 exista alguma definição da situação.

Havendo confirmação da sentença antes do período de registro de candidatura, um pedido de registro de Lula poderia ser impugnado – como certamente seria – em razão da inelegibilidade decorrente dessa decisão.

Registre-se que a condenação em si não declara ninguém inelegível, isso precisa ser levantando perante a Justiça Eleitoral no momento de julgamento dos registros apresentados. As hipóteses de inelegibilidade são verificadas apenas no momento de cada registro de candidatura, não existe uma “ação declaratória de inelegibilidade” de qualquer cidadão.

A data do registro de candidatura em 2018 é incerta, até 2014 esse registro era feito até o dia 05 de julho do ano eleitoral, com a mini reforma passou para 15 de agosto.  Há uma expectativa de que com a proposta de reforma em votação na Câmara essa data seja novamente alterada.

Ainda, mesmo com a condenação em segundo grau antes do registro de candidatura, é possível a interposição de recursos para os Tribunais Superiores (STJ e STF), e junto com esse recurso é possível pleitear que seja dado efeito suspensivo, para que a decisão de segundo grau não tenha efeitos imediatos e o candidato possa, assim, seguir elegível e disputar normalmente o pleito.

Esse efeito suspensivo é precário, e pode ser revertido a qualquer momento pelo Tribunal. Lula pode, inclusive, ser eleito e diplomado com essa decisão suspensiva, uma reversibilidade da decisão posteriormente, no entanto, levaria à perda do cargo e realização de eleições suplementares.

Se houver confirmação da sentença de Moro após o registro de candidatura, se preenchidos os demais requisitos de elegibilidade e inexistentes outras hipóteses de inelegibilidade e o registro estiver deferido, a inelegibilidade que poderia ser suscitada em decorrência dessa condenação não pode mais obstar a candidatura. Isso não quer dizer que não pode gerar efeitos.

Se isso ocorrer durante a campanha eleitoral o partido tem um prazo possível para substituição do candidato, o que pode ser uma decisão estratégica, ainda que seja possível pleitear suspensão da decisão no STF, a disputa de candidato que concorre com decisão liminar tende a criar um cenário de instabilidade que desagrada o eleitorado.

Considerando ainda um cenário em que Lula seja eleito e a condenação se dê após o registro e antes da diplomação, possivelmente o resultado das eleições serão questionados em um Recurso Contra a Expedição de Diploma, que é o meio processual possível para discutir as chamadas inelegibilidades supervenientes (que surgem após o deferimento do registro) e pode levar à cassação da chapa e realização de novas eleições.

Após a diplomação, havendo, portanto, deferimento do registro, vitória nas urnas e diplomação e posse do presidente eleito, sem condenação pelo TRF ou com pendência de julgamento de recurso com efeito suspensivo pelos Tribunais Superiores, o processo é suspenso até o término de seu mandato, conforme determina o texto Constitucional.

A ideia, nessas hipóteses, é justamente trazer estabilidade aos mandatos e respeitar a soberania popular.

O que se vê, é que a cada novo ato a situação política do país fica dependente de mais variáveis. Considerando que a candidatura ou não de Lula tem interferência direta nas definições de candidaturas estratégicas de outros partidos, hoje está nas mãos – e no tempo – de três desembargadores do TRF4 definir os participantes da disputa eleitoral de 2018.

A possibilidade de Lula ainda ser candidato tem despertado uma série de manifestações revoltosas, mas em verdade, se o que se busca é a moralização real e o respeito às leis, qual seria o real problema de Lula ser candidato se a lei assim permite e, especialmente, qual o problema de ser eleito caso seja candidato?  Afinal, quem tem medo de democracia?

Paula Bernardelli é Advogada Eleitoralista. Pesquisadora do grupo Política por/de/para Mulheres da Universidade Federal do Paraná. Membro da Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Político (ABRADEP). Membro da Comissão Permanente de Direito Político e Eleitoral do Instituto dos Advogados de São Paulo (IASP).

Victor Romfeld é Mestrando em Direito do Estado pela Universidade Federal do Paraná (UFPR). Especialista em Direito Penal e Criminologia pelo Instituto de Criminologia e Política Criminal (ICPC), coordenado pelo prof. Dr. Juarez Cirino dos Santos. Bacharel em Direito pela Universidade Federal do Paraná (UFPR).


[1] O regime fechado é o mais rigoroso, cumprido em estabelecimentos de segurança máxima ou média, conhecidos como penitenciárias (art. 34 do Código Penal e arts. 87 a 90 da Lei de Execução Penal).

[2] “Art. 317. Solicitar ou receber, para si ou para outrem, direta ou indiretamente, ainda que fora da função ou antes de assumi-la, mas em razão dela, vantagem indevida, ou aceitar promessa de tal vantagem: Pena – reclusão, de 2 (dois) a 12 (doze) anos, e multa.

[3] § 1º – A pena é aumentada de um terço, se, em conseqüência da vantagem ou promessa, o funcionário retarda ou deixa de praticar qualquer ato de ofício ou o pratica infringindo dever funcional.

[4] Veja-se, por exemplo, que um dos réus da operação, João Vaccari Neto, ex-Tesoureiro do PT, havia sido condenado por Moro a 15 (quinze) meses e 4 (quatro) meses de reclusão, mas através de recurso interposto perante o Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4), obteve sua absolvição, justamente porque a condenação de Moro, neste caso, foi baseada apenas em delações premiadas. Disponível em: http://g1.globo.com/rs/rio-grande-do-sul/noticia/joao-vaccari-neto-e-absolvido-em-segunda-instancia-em-processo-da-lava-jato.ghtml. Acessado em: 13/07/2017.

[5] Moro deu entrevistas à imprensa durante toda a fase de investigação, pronunciando-se a respeito da operação Lava Jato, quando a Lei Orgânica da Magistratura veda ao magistrado que manifeste, por qualquer meio de comunicação, opinião sobre processo pendente de julgamento (art. 36, inciso III, da Lei Complementar nº 35/1979).

[6] STF, HC n. 126.292, Rel. Min. TEORI  ZAVASCKI,  Tribunal  Pleno,  DJe 17/05/2016.

[7] HC 394.532/MG, Rel. Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA, QUINTA TURMA, julgado em 20/06/2017, DJe 30/06/2017.

[8] A inelegibilidade que pode decorrer dessa condenação está prevista no artigo 1º, I, e, 1., da  Lei Complementar nº 64/90, que coloca que a inelegibilidade se aplica aos “que forem condenados, em decisão transitada em julgado ou proferida por órgão judicial colegiado, desde a condenação até o transcurso do prazo de 8 (oito) anos após o cumprimento da pena(…)”