Separatista da “Pátria Celestina”: quem é o homem que agrediu Vanessa Grazziotin. Por Joaquim de Carvalho

Atualizado em 2 de setembro de 2016 às 20:50

 

O homem que agrediu a senadora Vanessa Grazziotin durante um voo de Brasília para Curitiba é um dos líderes do Movimento O Sul É Meu País, que quer separar os Estados do Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul do restante do Brasil.

“Nós temos a intenção, precipuamente, de eliminar o Poder de Brasília sobre os municípios, porque nós entendemos que Brasília não cumpre nenhum papel”, disse o advogado Paulo Demchuk, durante uma palestra recente, na Câmara Municipal de Almirante Tamandaré, no Paraná.

Dois vídeos da palestra estão disponíveis no youtube.

O movimento que visa reunir os três Estados do Sul num Nação autônoma surgiu em 1991. Mas perdeu força alguns anos depois.

Sob a liderança do catarinense Celso Deucher, renasceu depois das manifestações de julho de 2013, e foi crescendo desde então. Teria representantes em mais de 1000 municípios do Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul.

A página do movimento no Facebook tem mais 100 mil curtidas e o site apresenta a bandeira desta pretensa nação – azul com três estrelas brancas –, que já tem um hino, postado no youtube (6.200 visualizações).

Começa assim: “Ouve-se o ecoar de novo um grito no Sul do mundo” (na letra original, com s de sul maiúscula). A música é executada sob paisagem de serras, das cataratas do Iguaçu, de uma araucária, de montanha com neve, de uma cruz e de canhões.

“A rapina aqui se encerra”, diz um dos versos. “Liberdade para o povo desta terra”, diz outro. “Une-te povo celeste para a Nação ser erguida. Tece tua própria vida nem que o Tirano proteste” (t maiúsculo no original). Bis: “Nem que o Tirano proteste.” Arrematando, o hino proclama: “Votos de amor à Pátria Celestiana”.

Um internauta que viu o vídeo postou: “Se o país de vocês for tão ruim quanto o hino, seis tão fudidos (sic).” Mas seus líderes, como o advogado que agrediu a senadora do Amazonas, levam a sério o movimento.

Eles têm loja virtual, que vende artigos alusivos à independência do sul, assessoria de imprensa, carta de princípios, declaração de direitos e manifesto libertário.

Marcaram para o dia 1º de outubro um plebiscito para ouvir a população dos três Estados a respeito da proposta de separação do Brasil.

A Constituição Federal proíbe a separação dos Estados logo no artigo 1º, considerado cláusula pétrea:

Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:

I – a soberania;

II – a cidadania;

III – a dignidade da pessoa humana;

IV – os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa;

V – o pluralismo político.

União indissolúvel… Expressão que, para o advogado Paulo Demchuk, tem valor relativo: “É possível apresentar uma emenda constitucional e mudar, com base no princípio universal da autodeterminação dos povos.”

Durante a palestra, para uma plateia formada por vereadores e pessoas com aparência simples – um deles ocupa a mesa principal, com chapéu preto, mas não diz uma palavra. Paulo Demchuk parece se sentir à vontade e despeja números e conceitos sem contestação.

“Inexiste no Brasil Estado de Direito, que são normas abstratas, gerais, aplicadas a todos. Exatamente o que nós temos. Nós temos foro privilegiado, auxílio moradia para juízes, sistema de cotas e por aí vai”.

Paulo Demchuk diz que Brasília custa “400 bilhões de reais por ano” (o orçamento do Governo do Distrito Fderal é de 32 bilhões) e garante que, se tirados os impostos federais dos alimentos e dos remédios, o preço cairia pela metade.

“Brasília não tem nenhuma utilidade.”

“O poder de Brasília corrompe.”

“Brasília não planta um único tomate”.

“O STF comete inconstitucionalidades a cada julgamento”.

“O dinheiro que deveria ir para o Nordeste vai para o bolso de Renan Calheiros”.

“Advogo há vinte anos e sei que o Judiciário vive um colapso.”

“A Lava Jato não vai acabar com essa baderna”

“A única coisa que vai acabar (com essa baderna) é a completa privatização de todas as empresas públicas”.

“A população não precisa de bolsa família, precisa de corte de impostos, que vai baixar pela metade o preço dos bens e serviços”.

“Tentaram implantar o socialismo no Brasil nos últimos anos, mas o socialismo não deu certo em nenhum lugar do mundo, e não vai dar certo aqui.”

Paulo Demchuk não cita a fonte de suas informações, mas, ao dizer “o ministro Luís Roberto Barroso mentiu para a população num voto sobre o rito do impeachment”, deixa escapar que leu isso na revista Veja.

O discurso do advogado que agrediu Vanessa Graziotin é duro como uma lâmina de aço e ele demonstra contrariedade quando alguém faz uma intervenção.

Uma rara voz contrária na reunião na Câmara Municipal de Almirante Tamandaré, emitida por um senhor de cabelos brancos, compara a proposta de separação do Sul a uma criança com o piolhos. “Se ela tem piolho, basta tratar os piolhos, não precisa arrancar a cabeça da criança”.

Esse senhor diz ainda que a proposta de separação seria um ato de egoísmo e contrariaria o princípio cristão da generosidade.

Paulo Demchuk cita a própria história – “Stálin perseguiu minha família, matou muitos e mandou outros tanto para a Sibéria. O que sobrou da minha família veio para cá” (e ele nasceu)  – e diz que, no Estado Brasileiro, morrem 60 mil pessoas por ano. “A polícia mata. Não é cristão concordar com isso”.

Com a Pátria Celestiana, sem o peso do Tirano, estaria assegurada a paz.