Sergio Bermudes, ícone da advocacia brasileira, morre aos 79 anos

Atualizado em 27 de outubro de 2025 às 19:03
O advogado Sergio Bermudes. Foto: Divulgação

 

Morreu na tarde desta segunda-feira (27/10), no Rio de Janeiro, o advogado Sergio Bermudes. Profissional que deu uma contribuição fundamental para a evolução da advocacia brasileira na segunda metade do século 20, Bermudes fez o mesmo pela instável democracia do país: seu trabalho na ação movida por Clarice Herzog, viúva de Vladimir Herzog, jornalista assassinado pela ditadura militar em 1975, resultou em uma das primeiras condenações da União pela rotina sanguinária de torturas e homicídios de opositores imposta pelo regime então vigente.

Aos 79 anos, Sergio Bermudes foi vítima de sepsia respiratória. Nascido em Cachoeiro do Itapemirim (ES), em 1946, ele fundou o escritório Sergio Bermudes Advogados em 1969. A banca hoje está estabelecida no Rio de Janeiro, em São Paulo, em Brasília e em Belo Horizonte.

Na década de 1970, Bermudes assumiu o caso da publicitária Clarice Herzog, viúva de Vladimir Herzog, que ousou processar judicialmente o regime. Em 1978, ao analisar a ação, um juiz federal declarou que Vladimir morreu de causas não naturais e condenou a União a indenizar a família da vítima. A sentença transitou em julgado, mas não foi cumprida.

Ainda naquela década, o advogado começou sua carreira de professor universitário como assistente na Faculdade de Direito da Universidade da Guanabara (antigo nome da Uerj) e na Faculdade Brasileira de Ciências Jurídicas do Rio de Janeiro, da qual se tornou titular. Mais tarde, assumiu uma cadeira na Faculdade de Direito da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-RJ).

Nos anos 1980, Bermudes chegou a uma posição de liderança no contencioso cível e na área de reestruturação de empresas. Ele atuou, por exemplo, na disputa bilionária dos poupadores contra as instituições financeiras quanto à remuneração das cadernetas de poupança durante os planos financeiros das décadas de 1980 e 1990. O caso foi finalmente resolvido com um acordo em 2017.

Em 1985, o advogado integrou a comissão de processualistas designada para promover uma revisão no Código de Processo Civil. Ele também exerceu o cargo de juiz do Tribunal Regional Eleitoral do Rio de Janeiro.

Em entrevista concedida à revista eletrônica Consultor Jurídico em 2018, quando seu escritório estava prestes a completar 50 anos de atividades, Bermudes recordou sua participação em eventos fundamentais para a democracia brasileira, como a elaboração da Lei de Anistia, e expôs sua visão da advocacia.

“O bom advogado é aquele que postula adequadamente a proteção do interesse dos seus clientes ou que faz aplicar o Direito de um modo adequado às situações que são apresentadas. O advogado não absolve o cliente, mostra ao juiz tudo de positivo que ele possa extrair de determinados episódios vividos pelo cliente. O advogado não é o profissional que apenas postula a justiça dos tribunais, é o profissional que aconselha, redige, indica”, disse ele.

O advogado Sergio Bermudes. Foto: Divulgação

Repercussão

O presidente do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, Beto Simonetti, decretou luto de três dias na entidade. “O Brasil perde hoje (segunda-feira) um de seus grandes brasileiros, e a advocacia, mais do que um advogado, perde alguém que consigo carregava a memória da história de nossa instituição. Formou várias gerações de grandes advogados. Sua morte enluta a OAB e a advocacia, e em homenagem à sua memória, decretamos luto de três dias e lançamos nota de pesar, o que marca nossa consternação e o lamento pela perda”, disse Simonetti.

O ministro Luis Felipe Salomão, do Superior Tribunal de Justiça, lamentou a enorme perda para a advocacia brasileira. “Uma lástima. Perda grande para a história do Judiciário brasileiro. Um dos últimos grandes e históricos advogados do Rio. Culto, preparado, estrategista, era professor e advogado militante, renomado no Brasil e no exterior. Atuou como advogado no caso da indenização de Herzog; foi advogado da AMB contestando alguns dispositivos do Estatuto da Advocacia lesivos à magistratura. Não fugia do debate. Era um gigante.”

“Bermudes possui inexcedível contribuição para a qualidade do exercício da advocacia. No âmbito da OAB, foi braço direito de Raymundo Faoro, o presidente da redemocratização do Brasil. Na academia e na profissão, sempre foi um inovador e fiel defensor dos postulados constitucionais. Permanecerá vivo por seus ensinamentos e pelo legado de dignidade e altivez”, comentou o advogado Marcus Vinícius Furtado Coelho, ex-presidente nacional da OAB e presidente da Comissão Constitucional da entidade.

“Sergio Bermudes foi um dos maiores expoentes do Direito brasileiro. Sua partida representa grande perda para os advogados e professores de Direito do nosso país. Constitui profunda lacuna no meio jurídico e uma enorme tristeza para os seus amigos e admiradores. Jurista inigualável”, afirmou Adilson Macabu, advogado e ex-ministro do STJ.

“Sergio foi um pai e uma inspiração para todos nós do escritório, principalmente aqueles que começaram como estagiários. Mais do que nunca, vai o homem, mas ficam os ensinamentos de bravura, excelência, ética e desassombro”, falou Henrique Ávila, sócio do Bermudes Advogados.

“Hoje (segunda-feira) tive a triste notícia do falecimento do renomado advogado Sergio Bermudes. Sua morte representa uma grande perda para o meio jurídico brasileiro, onde era conhecido não apenas por sua atuação em grandes causas, mas também por sua eloquência e notável habilidade como contador de histórias”, disse o advogado Carlos José Santos da Silva, o Cajé.

Veja trechos de uma entrevista concedida por Sergio Bermudes à TV ConJur em 2020:

Publicado originalmente no Conjur