Sergio Moro pode salvar Bolsonaro. Por Moisés Mendes

Atualizado em 5 de maio de 2020 às 22:31
26.set.2019 – O presidente Jair Bolsonaro e o ministro Sergio Moro durante a cerimônia de posse do procurador-geral da República Augusto Aras
Imagem: Evaristo Sa/AFP

Publicado originalmente no blog do autor

Sergio Moro não conseguiu acabar politicamente com Lula e talvez não acabe com Bolsonaro. Uma frase divulgada há pouco, em que Bolsonaro deixa claro que deseja mandar na Polícia Federal do Rio, parecia ser o empurrão que faltava.

Mas apenas parecia. Esta é a frase: “Moro, você tem 27 superintendências e eu quero apenas uma: a do Rio de Janeiro”.

É o que está no depoimento de Moro à Polícia Federal no sábado, agora divulgado na íntegra pelo Globo.

Chegou a ser noticiado, na pressa, que Bolsonaro teria dito a frase ao ex-juiz em reunião do Conselho de Ministros, no dia 22 de abril. A frase dita nesse cenário, com testemunhas, poderia derrubar Bolsonaro.

Não é bem assim. Li o depoimento do ex-juiz agora. Bolsonaro não cobrou a troca de comando no Rio na frente de todo o alto escalão, como sempre se anunciou desde a saída de Moro. Isso não aparece no depoimento ao lado da tal frase.

A frase estaria na verdade numa mensagem de WhatsApp, que ainda precisa ser recuperada. No depoimento, Moro não diz que a mensagem tem exatamente a frase citada acima, mas “mais ou menos” aquele teor. Mais ou menos.

Moro parece ter repetido no depoimento de sábado quase tudo o que havia dito quando pediu demissão.

Bolsonaro queria relatórios de inteligência da Polícia Federal. Se não conseguisse trocar o superintendente da Polícia Federal, trocaria o diretor-geral e o próprio ministro, afirmou Moro no depoimento.

A reunião sempre citada pelos jornais, do dia 22, e que teria sido gravada por ordem do próprio Bolsonaro, é também citada pelo procurador-geral Augusto Aras, que pediu ao Supremo autorização para que sejam ouvidos três ministros presentes a esse encontro.

Seriam os três citados por Moro como testemunhas da pressão feita por Bolsonaro para interferir na PF do Rio e no comando geral da instituição.

As testemunhas, que podem ser ouvidas no inquérito, se o ministro Celso de Mello autorizar, são os ministros Luiz Eduardo Ramos (Secretaria de Governo), Augusto Heleno (Gabinete de Segurança Institucional da Presidência) e Braga Netto (Casa Civil).

Mas há um detalhe. No depoimento, não aparecem referências diretas aos ministros na reunião do dia 22. Eles aparecem em outra reunião que teria acontecido com os três, mas um dia depois. Nessa reunião, Moro relata aos ministros o constrangimento com a pressão de Bolsonaro.

Hoje, no cercado, Bolsonaro disse que a Polícia Federal não investiga a família. Ele sabe que a Polícia investiga milicianos ligados à família e que operam na área portuária com contrabandistas.

Sabe que a PF também investiga há muito tempo os investigadores que deveriam investigar a morte de Marielle. Bolsonaro sabe que a única unidade da PF que incomoda a família é a do Rio.

Mas o depoimento de Moro parece fraco. São 10 páginas. O ex-juiz ficou oito horas na PF em Curitiba para dizer de novo, entre outras coisas, que Bolsonaro temia as investigações da PF em torno de deputados bolsonaristas.

Por que tudo o que tinha a dizer, em oito horas, está em apenas 10 páginas? É estranho, porque não acrescenta quase nada ao que disse quando se despediu.

Para que a decepção seja ainda maior, Moro admite que não tem todas as mensagens trocadas com Bolsonaro, porque costumava deletar os textos. Ficou complicado.

A imprensa em geral parece entusiasmada. Mas Sergio Moro não acabou com Lula e talvez não acabe com Bolsonaro.