Seria o traficante Marco Archer um herói?

Archer

Acredito que com isso concordasse Joseph Campbell, autor de O Herói de Mil-Faces, espécie de Bíblia dos roteiristas em que muitos acreditam encontrar uma fórmula para contar qualquer história.

Nelas o herói sai de um “Mundo Comum” qualquer, logo após aceitar o “Chamado à aventura” e retorna com o “Elixir da Liberdade”.

“…A Visão Correta, O Pensamento Correto, A Ação Correta”, como diz o herói dos budistas.

O herói de toda história termina a jornada vitorioso quando aprende algo a ser ensinado, o que faz a sua história merecer ser contada e recontada, adaptada, mexida e remoída, até que “do Verbo se faça Carne”.

O herói é o mito, o santo, o libertino, o que subverte ou ajuda a sustentar a ordem de uma sociedade. Mas Marco Archer protagonizou apenas um capítulo da história em que se meteu, e que parece longe de terminar. O próximo a ser exibido em todo o Brasil é a execução do outro brasileiro na Indonésia, Rodrigo Gularte.

Ambos podem então se afirmarem também como personagens “Camaleão”, aquele que faz despertar as dúvidas no herói. Que se apresenta sob muitas identidades e induz à necessidade de mudança, de saída do “Mundo Comum” em que as coisas estão estabilizadas.

Para Archer, o “Chamado à Aventura”, segundo ele próprio, foi o dinheiro. Como para Walter White, de Breaking Bad, a entrada no mundo do tráfico é a “Travessia do primeiro limiar”.

O segundo limiar a ser atravessado – também a exemplo do professor de Química rei do Crystal – é a morte. A necessidade de ter de lidar com a ideia iminente da própria morte e com a esperança de ser salvo, como no arquétipo da donzela aprisionada no castelo, prestes a ser devorada pelo dragão e à espera do seu salvador.

Para Archer, o salvador não veio e sua vitória como herói seria então contra o arrependimento, ao perdoar a si mesmo por traficar ou por ter sido pego, e partir em paz.

A história que continuará a ser contada, porém, não é a de Archer, e sim a da Guerra às Drogas. Uma guerra mundial, da qual participam outros personagens importantes ou secundários, como o presidente Mujica e o governo da Indonésia. Que já matou milhares ou milhões de pessoas em todo mundo e continua a matar.

O pelotão de fuzilamento em um país distante, as implicações do Direito Internacional no caso, o poder do Estado de decretar a morte, são assim elementos de uma “Estrada de Provas” muito mais ampla do que a encerrada na saga de Archer. Na história da Guerra às Drogas, os capítulos finais continuam a ser escritos com sangue.

Leonardo Mendes

Leonardo é catarinense, jornalista e escreve no blog Van Filosofia. http://filosofiavan.wordpress.com

Disqus Comments Loading...
Share
Published by
Leonardo Mendes

Recent Posts

Governador de SC imita colegas bolsonaristas e posta fake news sobre o RS

O bolsonarista Jorginho Mello (PL), governador de Santa Catarina, espalhou fake news sobre caminhões com…

3 segundos ago

Enchentes no RS são alerta contra o “caos climático”, diz ONU

A cúpula da ONU aproveita as inundações no Sul do Brasil para ressaltar a importância…

14 minutos ago

Copom reduz Selic em apenas 0,25 ponto: “Ambiente externo adverso”

O Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central anunciou nesta quarta-feira (8) a redução…

40 minutos ago

Governo libera compra de 1 milhão de toneladas de arroz após inundações no RS

O governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) liberou a compra de 1 milhão…

1 hora ago

MST inicia campanha de solidariedade em apoio às vítimas das enchentes no RS

O Rio Grande do Sul vive uma calamidade pública nunca antes vista na sua história.…

2 horas ago

AGU move ação contra Pablo Marçal por fake news sobre militares no RS

Nesta quarta-feira (8), a Advocacia-Geral da União (AGU) acionou judicialmente o influenciador Pablo Marçal por…

2 horas ago