Servidores denunciam que novas regras da fiscalização ambientais não serão cumpridas

Atualizado em 23 de abril de 2021 às 14:54
Reprodução de vídeo gravado por brigadista no dia 20 de setembro mostrando incêndio na Mata do Mamão. Foto: reprodução

Publicado originalmente em OEco

POR DANIELE BRAGANÇA

As novas regras de fiscalização ambiental, oficializadas na quarta-feira da semana passada (14), continuam gerando crise dentro dos órgãos ambientais. Após uma carta aberta assinada por mais de 300 servidores do Ibama, dessa vez os analistas ambientais do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) vieram a público denunciar o impacto das novas normas nos núcleos de conciliação ambiental (Nucam), instância criada em 2019 para apurar a aplicação de multas ambientais.

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Assinada por 210 servidores e endereçada ao presidente do ICMBio, Fernando César Lorencini, ao então coordenador-geral de Proteção (CGPRO/ICMBio), Diego Bezerra Rodrigues, e ao diretor de Criação e Manejo de Unidades de Conservação (Diman/ICMBio), Marcos de Castro Simanovic, a carta possui 9 páginas e destrincha 41 pontos da Instrução Normativa Conjunta que precisam ser modificados.

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O governo tem sinalizado que mudará apenas alguns pontos da norma. Os servidores pedem a revogação total, ou modificação profunda, principalmente nas partes sobre prazos, considerados inexequíveis, e nos trechos sobre responsabilização direta dos servidores.

Os fiscais já estavam com o trabalho travado com a criação dos núcleos de conciliação ambiental (Nucam). O passivo de autos de infração aguardando audiência de conciliação é imenso.

“Um gargalo importante do trabalho de fiscalização é em achar o infrator, notificar o infrator (autuado), pois grande parte é desconhecido ou laranja de grandes latifundiários e grandes garimpeiros. Fogem ou não se consegue contato, endereço, etc. Por isso, o número de passivo normalmente é grande. Mas esse passivo aumentou consideravelmente com o decreto nº 9.760, que todo mundo foi contra também – nós servidores, as ONGs, os juristas, etc, –. E agora ganhamos mais uma mudança”, reclama um servidor.

Instrução Normativa Conjunta retirou a autonomia dos fiscais em campo, que agora precisam da autorização prévia de um superior para aplicar uma multa, além de determinar prazos mínimos, de 5 a 2 dias, para a realização de relatórios e outros procedimentos, sob pena de responsabilização administrativa do servidor público. Para os servidores, trata-se de assédio moral e tentativa de amedrontar os fiscais. A ameaça tem surtido efeito. Nossa reportagem conversou com mais de quatro analistas ambientais que afirmam que irão sair da área de fiscalização, caso a INC continue em vigor.

“Já suspendi minha caneta, não vou mais fazer fiscalização e nem lavrar auto. A última vez que fiz foi no começo de abril. Certeza que se essa INC tivesse em vigor eu iria sofrer PAD [processo administrativo disciplinar, que pode culminar com a demissão do analista ambiental do serviço público]”, diz um fiscal, que prefere não se identificar.

O ponto sobre assédio moral é destacado na carta dos servidores, que menciona a expressão cinco vezes.

“Essa INC tem inúmeros dispositivos absurdos. Deixa o infrator praticamente soberano, podendo exigir até a véspera alterar audiência de conciliação eletrônica para a presencial, por exemplo, sendo que estamos em homeoffice por causa da pandemia. E para completar, estamos substituindo falta de gente de um estado pro outro, não temos condição alguma de fazer presencial”, explica outro servidor. Segundo ele, as mudanças foram feitas para travar a fiscalização, já que os chefes sabem do passivo de analistas ambientais e das falhas no sistema eletrônico, que até hoje não foi implementado.

“As regras precisam de um robusto sistema eletrônico que una várias etapas do Ibama e ICMBio. O sistema [Sabiá] não ficou pronto até hoje, e olha que o decreto dos núcleos de conciliação é de abril de 2019. Sem o sistema, não dá pra ter agendamento automático de audiência, por exemplo, daí não tem como cumprir prazo, aí tem que justificar, só pra justificar já perde um tempo gigante. E ainda vem dizer que mudaram para dar mais agilidade? Foi feito para travar. Travar a fiscalização, a conciliação, a instrução e o julgamento”, disse.

Baixa

Por causa das novas regras, o coordenador geral de proteção do Instituto Chico Mendes de Biodiversidade (ICMBio), Diego Bezerra Rodrigues, pediu exoneração do posto que ocupava no órgão. O pedido já está na mesa do presidente do ICMBio, Fernando César Lorencini.