Sete décadas depois, um tiro na energia do Brasil. Por Fernando Brito

Atualizado em 17 de junho de 2021 às 22:39

Publicado originalmente no blog do autor

Por Fernando Brito

Há 73 anos, na sua Carta Testamento, Getúlio Vargas deitou à sabotagem as fontes de energia do Brasil boa parte das razões da conspiração que o levou ao suicídio:

Quis criar liberdade nacional na potencialização das nossas riquezas através da Petrobrás e, mal começa esta a funcionar, a onda de agitação se avoluma. A Eletrobrás foi obstaculada até o desespero. Não querem que o trabalhador seja livre.

Naquele Brasil, a falta de luz era constante nos centros industriais do país – São Paulo, Rio e Minas – e nem pensar que o interior rural tivesse energia: mesmo as cidades menores que a tinham eram servidas por uma corrente elétrica fraca, oscilante e quase diariamente interrompida.

Em sete décadas, o Brasil ganhou capacidade de construção e operação de hidrelétricas nos maiores padrões mundiais de engenharia e de linhas de transmissão raramente igualadas no planeta, inclusive com inovações como a transmissão em altas voltagens de corrente contínua, com baixos níveis de perdas no deslocamento da energia.

O país foi, paulatinamente, construindo sua autossuficiência elétrica, numa matriz extraordinariamente limpa frente aos demais países do mundo.

Tudo isso acaba um pouco hoje, com a venda a toque de caixa, a Eletrobras.

Foi, na expressão do senador Jean Paul Prattes, uma “quermesse energética”. Os senadores, como antes os deputados, desenharam um monstrengo para que se garantisse a montagem, com compra compulsória de térmicas a gás, onde nem sequer há gasodutos que as abasteçam. Pequenas centrais hidrelétricas, que podem suprir sistemas locais, são extremamente dispendiosas se não consideram as necessárias integrações a grandes redes de transmissão.

Tem todos os temperos do retrocesso: a exclusão do Ibama e da Funai do licenciamento de linhas de transmissão de energia que atravessem terras indígenas é uma porteira aberta para a devastação destas áreas.

Os investimentos obrigatórios podem até, no médio prazo para alguma produção de energia – esqueçam a possibilidade de influírem na crise atual – no médio prazo, mas não oferecem ao país um horizonte de oferta abundante de energia barata.

Ao contrário, é energia mais cara, agora e depois, porque investimentos de baixo retorno terão de ser remuneradas pelos consumidores e ninguém porá dinheiro na Eletrobras privatizada para ter retorno em longo prazo, como é característica do setor.

A última e pequena esperanças estão em que a Justiça barre a monstruosidade que se está consumando no Legislativo. Difícil: o Judiciário, sempre tão ativo quando se trata de interferir na política, em geral é pouco interessado em interferir em algo que diz respeito a nossa própria soberania como nação.