
Por Washington Araújo
No Brasil, a desigualdade social permanece uma ferida aberta. As isenções fiscais e benefícios tributários concedidos a grandes empresas drenam bilhões de reais. Esses recursos poderiam fortalecer o Sistema Único de Saúde (SUS), o Bolsa Família e outros programas sociais.
Em 2024, as renúncias fiscais atingiram R$ 615 bilhões, segundo a ministra Simone Tebet, equivalente a 5,9% do PIB, estimado em R$ 10,4 trilhões pelo Banco Central. Para 2025, o volume projetado é ainda maior, alcançando R$ 760 bilhões, conforme estimativas do Ministério da Fazenda com base na Declaração de Incentivos, Renúncias, Benefícios e Imunidades de Natureza Tributária (Dirbi), reportadas por diversos veículos da mídia.
Esse montante supera o dobro dos gastos combinados com Bolsa Família e Benefício de Prestação Continuada (BPC). Setores como agronegócio, indústria automotiva, combustíveis e eventos acumulam privilégios, enquanto a população mais vulnerável enfrenta serviços públicos precários.
Nos últimos oito dias, o governo federal anunciou um corte linear de 10% nas renúncias fiscais, visando arrecadar R$ 20 bilhões anuais, segundo o secretário-executivo do Ministério da Fazenda, Dario Durigan. A medida, que será formalizada por projeto de lei a ser enviado ao Congresso, abrange todos os setores beneficiados, incluindo agronegócio, Zona Franca de Manaus e o Programa Emergencial de Retomada do Setor de Eventos (Perse).
A iniciativa busca atender à Emenda Constitucional 109/2021, que exige a redução dos incentivos para 2% do PIB até 2029.
Os números da renúncia fiscal no Brasil
Em 2023, as renúncias fiscais totalizaram R$ 518,9 bilhões, ou 5,2% do PIB, segundo o Tribunal de Contas da União (TCU), um aumento de 8,2% em relação a 2022. Até agosto de 2024, 54,9 mil empresas declararam R$ 97,7 bilhões em benefícios fiscais, conforme a Receita Federal.
O agronegócio liderou, com 18,7% do total, incluindo R$ 14,95 bilhões em isenções para adubos e fertilizantes. O setor de combustíveis, com destaque para a Petrobras, que obteve R$ 29 bilhões em 2021, também se beneficiou. A indústria automotiva, com montadoras como Fiat e Volkswagen, e o setor de eventos, via Perse, completam a lista.
Em 2021, 26 empresas concentraram R$ 99 bilhões, quase metade dos R$ 215 bilhões totais, segundo a Controladoria-Geral da União (CGU). Comparado aos gastos sociais, o impacto é gritante. O Bolsa Família, que atende 20,8 milhões de famílias, custou R$ 168 bilhões em 2024, enquanto o BPC consumiu R$ 100 bilhões.
O SUS operou com R$ 160 bilhões, totalizando R$ 428 bilhões combinados com Bolsa Família e BPC – valor inferior aos R$ 615 bilhões renunciados em 2024. O programa Farmácia Popular, com apenas R$ 3,4 bilhões, é quase insignificante. Até agosto de 2024, as isenções de R$ 546 bilhões superaram três vezes o orçamento do Bolsa Família para 2025.
O corte de 10% anunciado para 2025 será aplicado proporcionalmente sobre os R$ 760 bilhões em renúncias fiscais, conforme dados do Ministério da Fazenda. A mídia informou que o ministro Fernando Haddad defende a medida como um passo para esclarecer a “caixa-preta” das renúncias, argumentando que muitos benefícios não geram os retornos esperados, como criação de empregos ou desenvolvimento regional.
O agronegócio, responsável por 18,7% das renúncias, e a indústria automotiva estão entre os setores mais impactados. A implementação, contudo, depende de aprovação no Congresso, onde a resistência de setores poderosos é esperada.
Renúncias fiscais como proporção do PIB: Brasil e o mundo
As renúncias fiscais brasileiras, que atingiram 5,9% do PIB em 2024 e devem crescer em 2025, são elevadas em comparação com outros países.
Nos Estados Unidos, elas somaram US$ 1,8 trilhão em 2023, ou 7% do PIB, segundo o Congressional Budget Office. Setores como tecnologia, energia e manufatura se beneficiam.
Os EUA, porém, destinam 8,6% do PIB à saúde pública, um contraste com o Brasil. Na França, as renúncias foram de € 93 bilhões em 2022, ou 3,5% do PIB, conforme o Ministério da Economia francês, favorecendo cultura e pesquisa.
A carga tributária francesa de 45,4% do PIB sustenta saúde universal e educação gratuita, equilibrando melhor as políticas sociais. No Reino Unido, as renúncias fiscais alcançaram £ 170 bilhões em 2023, ou 5,6% do PIB, segundo o Office for National Statistics.
Finanças e tecnologia são beneficiadas no Reino Unido, mas o sistema de saúde (NHS) recebe 7,8% do PIB, garantindo robustez social.
No México, as renúncias custaram 3,7% do PIB em 2022, segundo a Cepal, favorecendo manufatura e energia, mas com apenas 2,9% do PIB para saúde.
Na Argentina, as renúncias foram 2,8% do PIB, beneficiando agronegócio e indústria, com um IDH superior ao brasileiro. O Brasil supera México e Argentina em renúncias fiscais, mas está abaixo dos EUA.
Comparado à França e ao Reino Unido, o Brasil aloca uma proporção semelhante do PIB, mas com menos retorno social. Dados da Receita Federal e TCU revelam que 44% dos incentivos não são fiscalizados, agravando a ineficiência.
A transparência avançou, com o Portal da Transparência registrando R$ 1,25 trilhão em renúncias entre 2015 e 2024.
Justiça social e econômica: um Brasil em dívida
Justiça social exige igualdade de oportunidades e acesso a serviços básicos. Justiça econômica demanda tributação progressiva e redistribuição eficiente. No Brasil, a regressividade tributária, com 49% da carga vinda do consumo, penaliza os pobres, segundo o Ipea.
As isenções beneficiam setores consolidados, aprofundando desigualdades. O IDH do Brasil, 0,786 em 2023, coloca o país na 84ª posição, segundo o Pnud. Ajustado pela desigualdade, perde 24%, caindo 21 posições.
A renda per capita de US$ 18.011 é 127,3% inferior ao necessário para sustentar uma família, R$ 6.996,36, conforme o Dieese. O 1% mais rico detém 21,1% da renda nacional, um abismo frente à Islândia.
A desigualdade racial persiste: a disparidade salarial entre negros e brancos permaneceu estável entre 2012 e 2021, segundo o Insper. A educação para negros é inferior, e o acesso ao mercado de trabalho, limitado.
As isenções fiscais, que priorizam o agronegócio, agravam esse ciclo de exclusão. O Brasil falha em romper barreiras históricas, enquanto bilhões são desviados de programas que poderiam transformar vidas.
O custo da escolha, e não é uma “escolha de Sofia”
Defensores das isenções, como a Mosaic Fertilizantes, alegam redução de custos de produtos essenciais. A Samsung, na Zona Franca de Manaus, destaca inovação. Mas o TCU aponta que incentivos automotivos, custando R$ 50 bilhões desde 2010, geram empregos a R$ 34 mil cada, com impacto limitado.
O agronegócio, segundo André Roncaglia, contribui pouco para empregos em proporção aos benefícios. O governo enfrenta resistência para implementar o corte de 10%, conforme alertou o economista Juliano Goularti, que critica cortes lineares por potencialmente ampliarem desigualdades regionais.

O deputado Hugo Motta, presidente da Comissão de Finanças da Câmara, defende a revisão para avaliar a eficácia dos incentivos. Haddad busca recuperar R$ 150 bilhões anuais, mas a pressão de setores poderosos é um obstáculo.
A sociedade pode acompanhar os desdobramentos pelo Portal da Transparência e pelo site da Receita Federal.
Cobertor curto protege os mais ricos e deixa os pobres ao relento
As isenções fiscais, que consomem 5,9% do PIB em 2024 e projetam R$ 760 bilhões para 2025, aprofundam desigualdades. Setores consolidados acumulam bilhões, enquanto o SUS opera no limite.
O Bolsa Família não alcança todos, e a educação definha. Comparado à França e ao Reino Unido, o Brasil investe menos em contrapartidas sociais. O corte de 10% é um primeiro passo, mas sua aprovação no Congresso será um teste político.
O IDH estagnado e a renda per capita insuficiente refletem um sistema que privilegia poucos. Ignorar essas falhas estruturais é uma distração perigosa. O Brasil precisa decidir: subsidiar gigantes ou investir em justiça social e econômica? A resposta moldará o futuro de milhões.