Silvio Santos obteve 70 mil hectares no Araguaia em 1972, durante governo Médici. Por Alceu Luís Castilho

Atualizado em 24 de maio de 2020 às 20:32

Publicado originalmente no De Olho nos Ruralistas

Por Alceu Luís Castilho

Existisse em 1972, o Jornal do SBT poderia noticiar uma visita muito curiosa a uma fazenda em Barra do Garças (MT), na região do Araguaia: um homem de quase 42 anos, exportador de gado Nelore, chegava com óculos escuros e barba postiça para vistoriar o local, a Fazenda Tamakavy. Disfarçado. “Estou dando uma incerta”, declarou depois Silvio Santos à revista Cruzeiro, em dezembro daquele ano. “Não quero que saibam que o dono chegou”.

Nos anos seguintes, ele divulgaria a lenda de que nunca visitara a propriedade. “Eu tinha uma fazenda que era a segunda maior do Brasil, a Tamakavi, e nunca fui lá”, afirmou, em 2010, à Folha. “Nem vi no mapa”.

Versões dele mesmo à parte, Senor Abravanel sabia muito bem onde estava pisando. Por achar que estava pagando impostos demais, e diante dos incentivos fiscais do governo federal para a pecuária, ele adquiriu áreas que somavam pelo menos 70 mil hectares no Mato Grosso, onde hoje ficam Alto Boa Vista e São Félix do Araguaia.

Não era a segunda maior fazenda do Brasil. Mas era enorme.

Naquela época quem governava o país era o ditador Emílio Garrastazu Médici.

No UOL, Mauricio Stycer conta que Médici recebeu Silvio Santos duas vezes em 1975. O empresário pleiteava a concessão dos canais Excelsior. O ditador elogiou fartamente aquele que ele chamou de “animador”. Mas a concessão foi parar nas mãos do Jornal do Brasil. A primeira concessão de Abravanel seria outorgada no governo seguinte, em 1976, já sob a gestão de Ernesto Geisel. A do SBT, na época TVS, em 1981, com a ajuda da família do presidente João Baptista Figueiredo. (Ontem, pela primeira vez na história, e por motivos políticos, o Jornal do SBT não foi ao ar.)

Quando Silvio decidiu entrar para a pecuária o governador mato-grossense era outro pecuarista, José Fragelli, da Arena, o partido de sustentação do governo militar. Ele — que presidiu o Senado durante o governo Sarney e chegou a substituí-lo na Presidência — costumava facilitar a entrega de terras devolutas para empresas simpáticas ao regime.

A Agropecuária Tamakavy, vendida para Sílvio Santos pelos usineiros paulistas Orlando Ometto e Renato de Almeida Prado, foi uma das agraciadas pelas políticas estaduais e federais.

CARTÓRIO INTIMOU SILVIO, ÍRIS E ATÉ O SBT

Em 2010, a 1ª Serventia Notarial e Registral de Barra do Garças intimou Senor Abravanel (Silvio Santos), Iris Abravanel, Henrique Abravanel, a Silvio Santos Participações S/A, o SBT e outros antigos proprietários de outra empresa agropecuária, a Fazenda Tiaipe Ltda, entre eles integrantes das famílias Almeida Prado e Ometto, em relação a possíveis irregularidades em imóveis.

Com 29.999,3 hectares, a Gleba São João, da Agropecuária Tiaipe S/A, foi considerada regular. Havia uma coincidência de áreas em uma das matrículas, mas o processo foi arquivado.

No dia 8 de julho de 1972, o Correio da Manhã informava que Silvio Santos acabara de firmar contrato com o Grupo Ometto-Almeida Prado para assumir o controle da Agropecuária Tamakavy, “na área da Sudam”: “A transação envolve uma área de 70 mil hectares, no município mato-grossense de Barra do Garças, compreendendo as empresas Tamakavy, Tiaipe e Barra Atlântica, que agora passarão a chamar-se Baú Agropecuária S.A.”.

A fundação da Agropecuária Tiaipe ocorreu em 1973, ano em que o empresário e apresentador se consolidou como pecuarista na região. Mais ao norte, até o ano seguinte, ainda se desenrolava a Guerrilha do Araguaia.

APRESENTADOR CHEGOU A TER 10 MIL CABEÇAS DE GADO

Em depoimento à Comissão Parlamentar de Inquérito do Sistema Fundiário, em 1979, o ex-governador Fragelli reconheceu em seu depoimento  irregularidades cometidas na determinação e individualização dos imóveis rurais em Mato Grosso. E definia os títulos de propriedade em seu estado como sendo “de prancheta”. “Os agrimensores jamais teriam vistoriado e medido as glebas in loco“, descreveu Bruna Franchetto em um laudo antropólogico divulgado em 1995. “Isso significaria a nulidade dos títulos concedidos e obtidos por tais mecanismos ilegais”.

Já muito conhecido na época como apresentador de TV, o novo pecuarista estendia seus tentáculos. Além da Tamakavy, Silvio Santos manteve até o fim dos anos 80 as Agropecuárias Tiaipe e São Cristóvão. As três formavam a fazenda Tamakavy. De 70 mil hectares, segundo o livro “Silvio Santos, a Trajetória do Mito“, de Fernando Morgado; ou 95 mil hectares, segundo reportagem de 1988 do Jornal do Brasil.

Ali o empresário chegou a ter 10 mil cabeças de gado. Na época da reportagem, durante o governo Sarney, e enquanto o país discutia a reforma agrária na Constituinte, Silvio Santos ainda tinha 6 mil reses, distribuídas em 15 mil hectares de pasto. Foi quando ele pressionou o governo Sarney, segundo o escritor Mário Ribeiro Martins, para que a capital de Tocantins fosse em Araguaína, ali do outro lado do rio, para que seus negócios fossem beneficiados.

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