Simon: “A reeleição de FHC criou grandes esquemas para a manutenção de grupos no poder. Tudo começou lá”

Atualizado em 30 de abril de 2016 às 11:19
Pedro Simon
Pedro Simon

Esta reportagem é mais uma da série do DCM sobre a reeleição de FHC. O projeto de crowdfunding foi financiado pelos leitores no Catarse.

 

Há alguns dias, a Folha de S.Paulo publicou entrevista com o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, em que ele fala da necessidade de aliança entre o PSDB, seu partido, e o PMDB de Michel Temer para governar o Brasil. O ex-presidente até sugere alguns nomes tucanos para o Ministério da Fazenda, e define o perfil ideal para o titular da pasta. Para ele, é necessário ter duas habilidades: saber se relacionar com o Congresso e entender de política fiscal.

Nem parece que o entrevistado Fernando Henrique é o mesmo político que, há um ano e meio, viu seu candidato a presidente, Aécio Neves, para quem fez campanha, ser derrotado nas urnas. Agora, ocupa o noticiário como quem conquistou o poder e entre os nomes que sugeriu a Temer está Armínio Fraga, que seria o ministro do candidato que perdeu.

A ousadia política de Fernando Henrique Cardoso foi o tema de uma entrevista que fiz com o ex-senador Pedro Simon na noite desta sexta-feira, quando ele se preparava para uma palestra no Instituto Itamar Franco, em Juiz de Fora. Simon é um dos poucos parlamentares que denunciaram a compra de votos para a aprovação da emenda que permitiu a reeleição de Fernando Henrique Cardoso, em 1998.

“Tenho plena convicção de que a emenda da reeleição só passou no Congresso Nacional porque parlamentares venderam seus votos”, disse o senador, com a autoridade de quem foi senador durante 32 anos e líder do governo Itamar Franco, quando, durante a revisão da Constituinte, em 1993, a proposta de reeleição para prefeitos, governadores e presidente da república foi votada no Congresso Nacional.

“Como líder do governo, eu me reuni com o presidente Itamar Franco e alguns ministros no Palácio do Planalto, para saber qual era a posição do governo. Havia pressão de prefeitos e governadores para aprovar a reeleição, mas o Itamar foi contra. Ele disse que tinha votado contra a reeleição na Constituinte e não poderia ser a favor na reeleição”, recorda Pedro Simon.

Na reunião, o então ministro Fernando Henrique Cardoso estava presente e pediu a palavra. “Ele também disse que tinha votado contra a reeleição na Constituinte e, assim como Itamar, era contra”, diz Pedro Simon.

Pedro Simon voltou para o Congresso e articulou a rejeição da emenda, apesar da vontade dos governadores e prefeitos. Era 1993. “Para minha surpresa, um ano e meio depois, o Fernando Henrique começou a trabalhar pela aprovação de uma emenda para permitir a sua própria reeleição, uma emenda que tinha sido apresentada na Câmara dos Deputados sabe-se lá como, mas que não tinha nenhuma repercussão”, diz.

Segundo Simon, a emenda só começou a andar depois que o Serjão (Sérgio Motta, então ministro das Comunicações e então sócio de Fernando Henrique numa fazenda em Minas Gerais) disse que o PSDB tinha um projeto para permanecer 20 anos no poder.

A emenda que permitiu a reeleição foi apresentada pelo deputado Mendonça Filho, um dos líderes do movimento pelo impeachment da presidente Dilma Rousseff na Câmara dos Deputados.

Depois que a emenda proposta por Mendonça Filho foi aprovada, Pedro Simon declarou que mais de 150 parlamentares venderem o voto para aprovação da emenda. Simon diz que não se lembra de ter cravado um número, mas diz que houve, sim, compra de votos, “e não foram poucos”.

“Até gente do PSDB me contou que houve compra de votos, o pagamento era em dinheiro e quem coordenava tudo era o Serjão. Nunca a emenda teria sido aprovada sem compra de votos. A mesma matéria tinha sido rejeitada na Constituinte e na revisão da Constituinte. Por que passou depois? Passou porque o Fernando Henrique Cardoso queria permanecer no poder, e o pessoal que queria 20 anos de governo do PSDB comprou os votos”, afirma.

Para ele, a reeleição permitiu a privatização selvagem no governo de Fernando Henrique Cardoso. Foi Simon quem denunciou no Congresso Nacional que, por pressão do governo os fundos de pensão mudaram de bloco na véspera da privatização da Vale do Rio Doce, definindo quem ganharia. “Foi um negócio absurdo, muito escandaloso”.

Simon acredita que, na aprovação da emenda da reeleição, se encontrará a raiz dos atuais escândalos de corrupção, expostos nas investigações da Operação Lava-Jato.

“Corrupção sempre existiu, mas a criação do instituto da reeleição obrigou a criação de esquemas gigantescos para a manutenção de grupos no poder. Tudo isso começou lá, com o Serjão e o Fernando Henrique”, diz.

Simon deu a entrevista por telefone, durante cerca de meia-hora. A certa altura, ele pediu licença porque já estava quase na hora de falar no Instituto Itamar Franco. Antes de encerrar, pergunto por que nunca houve uma investigação séria sobre a corrupção na aprovação da emenda da reeleição. Simon diz que a tradição no Brasil é varrer para debaixo do tapete a realidade sobre a corrupção.

“Em 1954, com antes do suicídio de Getúlio Vargas, todo mundo falava de corrupção. Depois que ele se matou, o assunto também morreu. Em 1964, depois do golpe que depôs Jango, o tema corrupção também sumiu. Quando derrubamos a ditadura, com o movimento das diretas, a corrupção era um tema presente e, quando os generais foram embora, acabou o assunto. Desconfio que muita gente está tramando a mesma coisa agora. Cassa a Dilma e varre a corrupção para debaixo do tapete. Já vi muita coisa e torço para que isso não se repita”, declara.

As palavras de Simon me remetem a um homem mulato de meia idade, filho de seringueiros, que me recebeu de camiseta numa sala de reuniões da Prefeitura de Rio Branco, no Acre.

É Chicão Brígido, assessor do prefeito Marcus Alexandre. Em 1997, o nome de Chicão Brígido foi citado nas gravações como um dos deputados acreanos que venderam o voto para a aprovação da emenda da reeleição. Na época, dois colegas de bancada renunciaram, mas Chicão resistiu e foi candidato a governador nas eleições seguintes, ficando em penúltimo lugar.

Chicão Brígido
Chicão Brígido

 

“Eu não vendi voto. Aquilo foi uma injustiça que fizeram comigo”, afirma. Chicão seria mais tarde condenado a dois anos de anos de cadeia pelo crime de concussão, num processo que não tem nada a ver com a reeleição.

No processo em que foi condenado e no qual recorre, ele foi acusado de ficar com parte do salário de funcionários de seu gabinete e de exigir vantagens da suplente para se licenciar e ceder sua vaga.

Sobre a venda de votos para aprovação da emenda da reeleição, Chicão diz: “Me acusaram, colocaram o meu nome no Jornal Nacional e na Revista Veja, mas eu pergunto: se aquilo era verdade, e no meu caso não é, por que não investigaram os corruptores ou o ministro Sérgio Motta?”

No balcão de compra de votos para a reeleição, uma gravação feita pelo Sr. X (Narciso Mendes, ex-deputado) escancarou o esquema de compra de votos no caso da bancada do Acre.

Segundo um dos dois deputados que assumiram na gravação a venda do voto – e depois renunciaram –, Ronivon Santiago, a negociação começou com a emissão de um cheque no valor de 200 mil reais (cerca de 940 mil reais em valores corrigidos pelo IGP-M até 30 de março). O deputado recebia o cheque, com o compromisso de não depositar e sob risco de, depositando, não encontrar fundos lá. Depois do voto a favor, ele ia até um endereço indicado e trocava o cheque por dinheiro vivo, colocado em sacos de papel. Algumas dessas trocas foram feitas em uma sala no próprio Congresso Nacional.

O emissor dos cheques para a bancada do Acre foi um empresário com negócios no Acre e no Amazonas. Seu nome: Eládio Cameli, pai do senador pelo Acre Gladson Cameli (PP), um jovem de 38 anos que faz parte da comissão que decidirá se afasta ou não a presidente Dilma Rousseff da Presidência da República.

Gladson já declarou voto a favor do impeachment e esta semana subiu à tribuna do Senado para ler um discurso em que denuncia o movimento de “alguns” para atacar as instituições brasileiras, como a Câmara dos Deputado e o Supremo Tribunal Federal.

“Será que agora vamos permitir que alguns desqualifiquem o Senado Federal?”, pergunta Sua Excelência.

O senador Cameli também foi citado pelo doleiro Alberto Yousseff como um dos parlamentares para quem ele remetia uma mesada que variava de 30 a 150 mil reais, na legislatura passada, quando Cameli era deputado federal.

Em Rio Branco, quando eu entrevistava O Senhor X Narciso Mendes em seu escritório, na sede de uma de suas empresas, a retransmissora do SBT, Gladson Cameli entrou na sala sem pedir para ser anunciado.

Quando eu soube de quem se tratava, solicitei uma entrevista, e ele concordou, mas pediu dois dias. Na data marcada, sua assessora de imprensa alegou que ele tinha outros compromissos e cancelou a entrevista.

Hoje, o compromisso de Gladson Cameli, conforme o discurso que leu no senado, é dar um fim à “irresponsabilidade do atual governo”.