Sínodo para a Amazônia põe os ‘haters’ profissionais do Papa Francisco no limite

Atualizado em 5 de outubro de 2019 às 11:24
Papa Francisco Foto: ANDREAS SOLARO / AFP

PUBLICADO NO UNISINOS

A Assembleia Especial do Sínodo dos Bispos para a Amazônia será aberta no próximo domingo, 6 de outubro, com uma missa na Praça de São Pedro. Como tudo o mais neste pontificado, o sínodo está cercado de polêmicas, não porque precisa ser assim, mas porque os “haters” profissionais do Papa Francisco agora insistem que tudo o que ele faz ou diz é errado, mau ou herético.

O cardeal-designado Michael Czerny, padre jesuíta, e o bispo dominicano David Martínez de Aguirre fizeram um belo trabalho explicando a justificativa deste sínodo em artigo recente publicado na revista La Civiltà Cattolica.

“A Laudato Si’ foi publicada em junho de 2015. Nos anos que se seguiram, foram desencadeadas numerosas iniciativas em favor da ecologia integral, muitas inspiradas pela Igreja”, escreveram. “Entretanto, de acordo com todos os indicadores, a crise piorou significativamente. O Sínodo sobre a Amazônia é uma tentativa consciente da Igreja de implementar a Laudato Si’ neste ambiente humano e natural fundamental”.

Instrumentum Laboris (documento de trabalho) para o sínodo deste ano, como a encíclica “Laudato Si’ – Sobre o Cuidado da Casa Comum”, de Francisco, convida a uma “ecologia integral”. Admito que não gosto muito da palavra “integral”, pelo menos não em inglês. Para mim, infelizmente ela tem associações com o Pe. Leonard Feeney, com Dom Michel Lefebvre e com o Cardeal Alfredo Ottaviani, integralistas que se opuseram às iniciativas do Concílio Vaticano II de renovar a vida e a teologia católicas.

Na medida em que lemos o Instrumentum Laboris, porém, fica claro que a palavra inglesa mais acessível seria “integrada”, ideia segundo a qual os aspectos espirituais de uma situação não estão separados dos aspectos sociais, e o social não está separado do econômico, e nenhum deles está mais separado das demandas da natureza, especialmente quando se discutem os “pulmões” da Terra propriamente.

Além de o sínodo ser uma oportunidade de realmente se aplicar a Laudato Si’ e promover uma ecologia integral, o simples fato do sínodo já destaca um outro tema deste pontificado: a própria sinodalidade. O papa poderia ter publicado um documento sobre os desafios que a região enfrenta, e a relação deles com a cultura mais ampla e com a Igreja, tudo sob sua própria autoridade.

Este não é o modo do papa trabalhar, no entanto. O seu método é aquele inaugurado pelo Cardeal Joseph Cardijn: ver-julgar-agir. E, para ver mais claramente, julgar com mais justiça e agir de um modo mais decisivamente cristão, devemos ouvir e dialogar, ouvir e dialogar. É disso que se trata a sinodalidade.

Isso tudo, o que não deve ser surpresa para nós, tem colocado no limite os críticos de Francisco. À frente do grupo estão o Cardeal Raymond Burke e o bispo auxiliar da arquidiocese de Santa Maria em Astana, no Cazaquistão, Dom Athanasius Schneider. Eles propuseram uma cruzada de 40 dias de oração e jejum para impedir que aquilo que chamam de “erros teológicos graves e heersias” no Instrumentum Laboris sejam adotados no sínodo.

A dupla conservadora está preocupada com o “panteísmo implícito” no Instrumentum Laboris e com sua abertura a “superstições pagãs”.

“[O] Instrumentum Laboris baseia-se em sua implícita concepção panteísta em um conceito errôneo da Revelação divina, afirmando, basicamente, que Deus continua a se comunicar na história através da autoconsciência dos povos e os clamores da natureza”, escrevem. Uma notícia boa é que eles não estavam presentes quando Santo Agostinho fez uso da filosofia neoplatônica para articular a própria compreensão da revelação divina, ou quando São Tomás de Aquino usou conceitos aristotélicos para fazer o mesmo.

O restante do discurso de oito páginas da dupla soa parecido: dão as piores interpretações possíveis de declarações tiradas de contexto para promover a ideia de que o Santo Padre e o Sínodo dos Bispos estão tomando parte na heresia.

Semana passada, o sítio National Catholir Reporter escreveu um editorial sobre o sínodo, que dizia, em parte, “o quanto de credibilidade merece uma campanha de duas pessoas contra o papa permanece uma pergunta em aberto”. Lamentavelmente, a oposição não se limita aos dois prelados citados acima.

Há poucas semanas, Raymond Arroyo, da rede de comunicação EWTN, convocou seu “pelotão papal” a debater Francisco e o sínodo. Especialmente irônicas foram as queixas deles sobre a possibilidade de que o sínodo torne o celibato opcional em certas circunstâncias.

“É uma subversão (…) Seria um desastre total tornar opcional o celibato. (…) Basicamente, é o abandono daquilo que Jesus, ele próprio, viveu”, disse o Pe. Gerald Murray.

Não lembro de Murray e outros terem se queixado quando o Papa Bento XVI publicou Anglicanorum Coetibus, que permitiu o clero casado da Comunhão Anglicana se juntar às fileiras do clero católico. Estava Bento XVI permitindo um “abandono daquilo que Jesus, ele próprio, viveu”? Os nossos irmãos ortodoxos orientais e católicos bizantinos cometem um abandono semelhante quando permitem o clero casado?

Nesta era da internet, um bispo auxiliar do Cazaquistão pode se fazer ouvir, porém o veículo particular para as insinuações vis de Burke e Schneider é o sítio National Catholic Register, do grupo EWTN. O Register também fez a frente nas reportagens sobre a tentativa sórdida de Dom Carlo Maria Viganò de realizar um acerto de contas.

Não seria muito ruim se estes ataques prolifáticos ridículos e não muito inteligentes contra o sínodo ficassem confinados ao LifeSiteNews e outras mídias marginais semelhantes. Mas a EWTN e o Register alcançam milhões de católicos. Na verdade, uma pesquisa de 2016 sobre o episcopado americano indicou que mais da metade dos bispos leem o Register do que qualquer outro jornal ou revista católico.

Não há problemas em tecer críticas ao Instrumentum Laboris do sínodo. Eu o acho, em alguns pontos, terrivelmente fraco. Gostaria de ver de uma conexão mais explícita entre certas perspectivas antropológicas contidas nele e a antropologia articulada em Gaudium et Spes, do Concílio Vaticano II.

Mas estas acusações histéricas de heresia e erros nos dizem mais sobre os acusadores do que do acusado. E os “haters” não são poucos nem são insignificantes. A sugestão que dei em artigo publicado no mês de agosto é, hoje, ainda mais necessária: Os bispos dos EUA deveriam cancelar a pauta da assembleia plenária de novembro próximo e empregar todo o seu tempo discutindo como lidar com os que têm difundido as sementes do cisma.