Sítio de Atibaia: as provas estão a favor de Lula e já não há mais motivo para condená-lo. Por Joaquim de Carvalho

Atualizado em 11 de outubro de 2018 às 18:10

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Ao retomar o andamento do processo sobre o sítio de Atibaia, depois das eleições, o juiz Sergio Moro terá uma dificuldade: como condenar o ex-presidente Lula, já que as testemunhas contrariam o roteiro de crime descrito pela denúncia do Ministério Público Federal.

O depoimento de Lula estava marcado para 11 de setembro, mas foi adiado para 14 de novembro em razão da campanha eleitoral. Moro argumentou que quis “evitar a exploração eleitoral dos interrogatórios, seja qual for a perspectiva”.

Advogados criticaram a decisão. Para a defesa de Lula, o adiamento mostrou que “a questão eleitoral sempre esteve e está presente nas ações contra o ex-presidente Lula que tramitam em Curitiba”.

Na denúncia apresentada pelo Ministério Público Federal, é feita uma menção ao calendário eleitoral de 2010, num depoimento colhido pelos procuradores Januário Paludo, Júlio Carlos Noronha e Athayde Ribeiro Costa.

Uma referência sem pé nem cabeça, mas que foi usada para tentar associar a compra do sítio a Lula.

“Os compradores expressamente pediram que o pagamento fosse feito em duas parcelas, com um sinal e o restante após as eleições presidenciais de 2010”, afirmam os procuradores na denúncia.

Os compradores eram Fernando Bittar, empresário que é filho de um dos melhores amigos de Lula, Jacó Bittar, e Jonas Leite Suassuna Filho, que é sócio de Fernando Bittar.

Adalton Emílio Santarelli, o antigo proprietário do sítio, é quem assina o depoimento.

Adalton se irritou quando perguntei a razão de ter permitido que, em seu depoimento, constasse a referência às eleições de 2010.

“Eu prestei depoimento na Polícia Federal, levei todos os documentos lá, está tudo esclarecido”, disse, antes de bater o telefone. Nesse depoimento à PF, Adalton não faz referência ao calendário  eleitoral de 2010, e, segundo seu advogado, não teria mesmo nenhum sentido fazê-lo.

“Não houve condição nenhuma para pagar depois das eleições”, respondeu o advogado Aguinaldo Ranieri de Almeida, que representou Adalton na definição do negócio, inclusive acertando os termos do contrato.

“O que houve é que o negócio foi concretizado no dia 28 de outubro, com a assinatura da escritura, quando já tinha passado a eleição. Mas poderia ter sido depois do Carnaval ou depois do ano novo. Não tem nada a ver isso. Foi um negócio normal. O Fernando Bittar queria comprar, deu um sinal em agosto, e ficou de pagar o restante quando a escritura ficasse pronta. E a escritura ficou pronta na data em que o pagamento foi feito”, disse.

O sinal foi de 100 mil reais. Quando a escritura ficou pronta, Bittar e Suassuna entregaram mais R$ 1,4 milhão. Tanto o sinal quanto a quitação foram feitos em cheques administrativos.

Se o pagamento não tem nenhuma relação com o calendário das eleições, por que os procuradores fizeram esse registro no termo de depoimento prestado pelo empresário que vendeu o sítio?

Só eles podem responder, mas o efeito é evidente: num negócio em que os procuradores queriam atribuir a Lula, a palavra eleição a propriedade mais perto do ex-presidente do que dos seus reais compradores.

Mas, ainda que o sítio fosse de Lula, o que provaria o fato do pagamento ter sido feito dois dias depois da eleição? Ou dois dias antes?

Nada, fica a insinuação.

Adalton, o vendedor do sítio, não foi chamado para prestar depoimento em juízo, mas os que estiveram na presença de Sergio Moro inocentaram Lula.

O juiz se irritou no depoimento da mulher de Fernando Bittar, Lílian, e também no de Priscila Bittar, irmã de Fernando.

Elas contam detalhes da rotina no sítio e de como se prepararam para comprá-lo.

Lílian chega a dizer que teve desavenças com o marido quando este permitiu a Marisa Letícia, que ela chama de tia, que coordenasse algumas reformas.

Na sua cabeça, como mulher do proprietário, era ela quem deveria dar a última palavra em algumas reformas. “Fiquei injuriada”, contou.

Priscila relatou em detalhes que esteve com o pai, Jacó Bittar, em várias propriedades antes que fosse definida a compra do sítio de Atibaia.

“Meu pai tinha o dinheiro da anistia (a indenização por ter sido punido como sindicalista durante a ditadura) e queria um sítio, para realizar o desejo de que todos tivessem um local para frequentar, passar o tempo junto”, afirmou.

Mas por que Lula, a mulher e os netos também usufruíam do sítio?

“Porque somos como uma família mesmo, o filho do Lula já morou na casa do meu pai, meu pai ficava direto em Brasília, primeiro na Granja, depois no palácio, se recuperando da depressão que veio quando ele soube que tinha Parkinson”, disse.

Quando a advogada de Fernando Bittar quis aprofundar as perguntas sobre a relação de Lula com a família Bittar, Moro cortou:

“O juiz está convencido de que a relação familiar é próxima e são desnecessárias essas perguntas”.

Priscila contou que o sítio foi registrado em nome de Fernando Bittar por uma decisão do pai. “Ele queria o local para frequentar e o mais prático era que a propriedade ficasse em nome do Fernando”, afirmou.

Lula frequentava muito o sítio, mas não tanto quanto a imprensa noticiou com base nas informações da Lava Jato. “Na maioria das vezes que eu fui, era só a família mesmo”, contou Priscila.

Uma das obras realizadas no sítio apontadas pela Lava Jato como indício de que a propriedade pertence a Lula é a construção de um galpão para abrigar parte do acerto presidencial.

“Essa construção é de baixa qualidade e foi feita, ao que sei, por autorização do meu pai. A tia Marisa pediu, porque não havia encontrado local adequado para guardar o acervo presidencial (foi uma pequena parte para lá)”, contou Priscila.

Das acusações do Ministério Público Federal, restam esta e outras reformas, a melhor delas a da cozinha, executada pela Kitchens, por meio da OAS.

Há um problema aí, mas não é de ordem legal. Quando a reforma começou a ser feita, Lula já tinha deixado a presidência havia quase quatro anos.

Pode haver crítica do ponto de vista ético, mas sem nenhuma relação com o Código Penal.

Lula controlou um dos maiores orçamentos públicos do mundo, e depois de uma intensa investigação — a maior já realizada contra um ex-presidente — o máximo que a força tarefa conseguiu fazer foi transformar em propina a reforma em um sítio que, de fato e de direito, não era dele.

No caso do triplex, a sentença contra Lula já estava pronta desde que Moro inaugurou a Lava Jato, e seu resultado já teve a consequência que muitos partidos e forças com poder político esperavam: tirar o ex-presidente da disputa eleitoral.

Agora, para que servirá a condenação no caso do sítio? Do ponto de vista técnico, será, como no caso do triplex, insustentável, mas e politicamente?