Só as montadoras ganham com carros “populares” a R$ 60 mil. Por Luis F. Miguel

Atualizado em 26 de maio de 2023 às 17:16
O vice-presidente Geraldo Alckmin fala sobre baratear o carro popular. Foto: Pedro Ladeira/Folhapress

O governo resolveu baratear a compra de carros “populares”. As aspas são necessárias, porque, afinal, os mais baratos deles vão ficar na faixa dos R$ 60 mil.

Abre mão da arrecadação de impostos – que poderiam financiar saúde, educação, segurança – para permitir que a classe média baixa realize o sonho do carro zero. Quem ganha com isso?

Só as montadoras.

Ao anunciar a medida, o vice-presidente Geraldo Alckmin enalteceu seu impacto social, mas ele é nulo. Os pobres mesmo continuam sem acesso a esse mercado. E a classe média é estimulada a se pendurar em prestações infindáveis, com seu fetichismo do carro próprio sendo estimulado pelo Estado brasileiro.

O impacto na atividade econômica e no emprego é minúsculo.

A opção preferencial pelo automóvel particular é nociva para o meio ambiente e um fator central de degradação da vida urbana. Torna nossas cidades imensos desertos asfaltados – pistas e mais pistas, estacionamentos e mais estacionamentos – nos quais perdemos nosso tempo em engarrafamentos cada vez mais longos.

O fetiche do automóvel é alimentado, por um lado, por uma máquina de propaganda poderosa. Por outro, pela selva urbana. Por pior que seja ter um carro, é pior ainda não ter, se o transporte coletivo é precário e insuficiente.

Parece que o governo acha que vai conquistar uma fatia do eleitorado de Bolsonaro – que ganhou por larga margem no grupo potencialmente “beneficiado” pelos automóveis mais baratos. Se é isso mesmo, há uma grave incompreensão da dinâmica atual da política brasileira.

Perde a chance de afirmar seu compromisso com o transporte público, com o meio ambiente, com um projeto efetivo de desenvolvimento, com uma política tributária voltada aos mais pobres e com o combate ao consumismo predatório.

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Luís Felipe Miguel
Professor de ciência política da Universidade de Brasília (UnB) e coordenador do Demodê - Grupo de Pesquisa sobre Democracia e Desigualdades.