Só há uma ameaça à democracia no Brasil: Jair Bolsonaro. Por Fernando Brito

Atualizado em 14 de junho de 2020 às 12:16
Jair Bolsonaro. (Mauro Pimentel/AFP)

Publicado originalmente no blog Tijolaço

POR FERNANDO BRITO

Não existe crise institucional na democracia brasileira.

Existe – cada vez mais evidente – é uma incompatibilidade entre o presidente que elegeu-se em 2018 e a democracia representativa e constitucional.

Mas vale a pena refletir sobre como um presidente “democraticamente eleito” podia ser e de fato tornou-se uma ameaça à democracia.

As eleições de 2018 foram, afinal, realizadas sobre os escombros de um processo de desagregação iniciado em 2013, num processo e radicalização que a muitos confundiu como sendo radicalmente democratizante e até esquerdista mas que, em um ano, passou a deixar evidente sua natureza direitista e autoritária.

A negação da política, a supremacia da moral (tão hipócrita, tantas vezes), a transformação do Judiciário em palco das disputas ideológicas, a proeminência de instituições que não deveriam fazer parte do jogo de poder, como a própria Justiça e as Forças Armadas nos levaram – como jamais estivemos em quatro décadas – a uma situação próxima de uma apelo às armas por ruptura da ordem constitucional.

Na qual, diga-se, ainda não estamos por obra e graça de algumas resistência de setores do oficialato à embarcarem numa aventura que sabem ter potencial para provocarem uma devastação, no médio prazo, em dois dos valores sempre caros às instituições militares: a unidade nacional e a unidade da própria Força.

Afinal, é tão escancarado o projeto golpista de Jair Bolsonaro e tão evidente que ele lidera uma facção policial e militar de baixíssima extração e de tão escancarado autoritarismo que lhe dar os meios para sua desejada implantação de um regime excepcional é algo que, ao contrário do que ocorreu em 1964, hoje retira dele o necessário apoio que parte da classe média -incluindo o oficialato – e a mídia lhe eram para formar uma maioria nas eleições, irrepetível agora.

Criou-se uma contradição entre a continuidade de um regime ao menos formalmente democrático e a figura residencial que não pode persistir sequer a médio prazo.

A pandemia, ao mesmo tempo, agrava e atrasa a ruptura inevitável.

De um lado, revela a face cruel e desumana do homem que está no poder em uma nação onde os doentes serão milhões e os mortos passarão da centena de milhar, numa devastação superior à maioria das guerras que conhecemos.

De outro, protege-o de um vigoroso movimento de massas que imponha limites à sua ousadia e indiferença para com a sorte da população.

Adiante, porém, surgirão – e já aparecem seus sinais – de que a crise econômica aprofundada criará o quadro final de inviabilidade de um governo que se divide entre ser um estorvo e uma ameaça.

Vejam como Bolsonaro acena com um quadro de agitação e instabilidade – que ele próprio produz – para dar suposta legitimidade a atos de força.

Nossa sabedoria será enfrentar esta ameaça sem colocar a cabeça ao alcance de suas lâminas: que são o autogolpe que tanto deseja.