E então Clô pulou

Atualizado em 31 de março de 2013 às 20:40

O suicídio nos choca, mas os filósofos viam nele uma boa “porta de saída” para situações desesperadoras.

O salto pode ter sido libertador
O salto pode ter sido libertador

O suicídio nos choca.

Montaigne o definiu como “a mais bela das mortes”, e o número de grandes filósofos que se mataram é elevado, mas ficamos perplexos diante do suicídio.

No caso de Clô Orozco, não foi diferente. Irradiou-se na mídia social uma corrente de dor e espanto diante do aparente suicídio de uma das mais marcantes estilistas na história da moda brasileira.

Sêneca foi quem melhor defendeu o suicídio como uma escolha à nossa mão. O homem, ponderou ele, é o único animal que tem esta “porta de saída”.

A vida deixou de valer a pena? A porta está ali.

Ele próprio se matou, embora não por vontade própria. Foi condenado por seu ex-aluno, Nero. Sêneca cortou os pulsos e, enquanto morria, consolou os amigos arrasados e a mulher.

Ele repetiu, assim, o gesto de Sócrates, registrado num livro pelo seu discípulo tão brilhante quanto ele, Platão. Sócrates tomou a cicuta que os atenienses lhe impuseram sem hesitar, e ainda lembrou aos que o cercavam, pouco antes de morrer, que tinha uma dívida com um amigo.

A lógica dos filósofos é que a vida é boa em determinadas circunstâncias: essencialmente, como escreveu Epicuro, quando você tem saúde (mental e física) para gozá-la.

As pessoas que vão à clínica suíça Dignitas em busca de assistência no suicídio não se enquadram, evidentemente, na definição epicuriana. Em geral são doentes terminais, ou foram progressivamente tomados por doenças degenerativas.

As religiões reprovam o suicídio,  e esta é uma das desvantagens do religioso. Fora a dor física, ele é bloqueado por uma dor moral diante da possibilidade de recorrer à “porta de saída” da qual falava Sêneca.

Não sei o que se passava com Clô.

Do que li, notei que a idade lhe pesava. Na moda, os anos contam em dobro. Numa entrevista, vi que ela se queixava dos homens de sua geração, que se afirmam, segundo ela, com mulheres bem mais jovens.

Me ficou a sensação de que faltou a Clô uma coisa recomendada por todos os filósofos: a auto-suficiência emocional. Se você conta com você mesmo, não precisa de mais ninguém. Você encontra a beleza da solidão. Schoppenhauer nunca quis outra companhia que não fosse seu poodle. Os imperadores chineses, na velhice, se recolhiam a uma vida solitária e pobre para que pudessem refletir sobre as coisas.

Mas mais uma vez: a moda é a terra da multidão por excelência – das festas em que todos se enfeitam e sorriem mesmo quando estão devastados por dentro.

Seja como for, é provável que a vida já não fizesse sentido para Clô. “Nunca encontrei ninguém que cometesse suicídio quando a vida valia a pena”, escreveu o filósofo escocês David Hume.

Um salto no escuro, em certas situações, pode ser libertador.

Imagino que tenha sido para Clô Orozco, e penso que os que a amavam podem se confortar com a ideia de que ela está livre dos sofrimentos que a fizeram enxergar naquela janela alta de Higienópolis sua porta de saída.

Clô no início de carreira
Clô no início de carreira