
O deputado federal Marco Feliciano conseguiu se superar.
Numa demonstração realmente impressionante do quão baixo, insensível, ignorante e desprezível um ser humano pode ser, o irresponsável resolveu abrir uma enquete em sua página do Facebook para saber se a depressão é causada por uma doença natural ou se seria fruto do exercício de demônios.
Chega a ser inacreditável como alguém pode estar errado de tantas maneiras diferentes.
Considerado pela Organização Mundial da Saúde como o “Mal do século”, o Transtorno Depressivo Maior (DDM), ou simplesmente depressão, é uma doença que atinge mais de 350 milhões de pessoas no mundo inteiro segundo dados da própria OMS.
Tratar um tema de tamanha seriedade e relevância para a saúde pública como se fosse uma brincadeira nas redes sociais sem qualquer fundamento científico, ultrapassa as fronteiras do escárnio.
É simplesmente criminoso.
Não é de hoje que o preconceito e a falta de informação sobre esse distúrbio mental vêm causando ainda mais sofrimento a quem, por força de seu efeito devastador, já não encontra sequer razões para viver.
Mas que um homem que por dever público deveria elevar o debate venha justamente a terraplanar o assunto ao nível do curandeirismo barato, isso já é caso para investigação no Ministério Público Federal.
Supor que a depressão tenha a sua origem em “espíritos malignos” retrocede os avanços do conhecimento médico-científico-psicológico ao tempo da inquisição católica onde lobotomias eram realizadas para que os “demônios” saíssem da cabeça de pacientes que sofriam do que hoje sabemos ser doenças mentais graves.
É um desserviço de tal magnitude que alguém poderia, não sem alguma razão, questionar sobre a sanidade mental do próprio parlamentar que aventou a ideia.
A questão, porém, não é tão simples assim.
Marco Feliciano pode ser muita coisa, mas, digamos, rasgar dinheiro ele não rasga. Para além de suas próprias convicções e crenças, faz o que faz porque sabe o tipo de eleitor que o elege.
Habilidoso mercador da fé, Feliciano semeia ignorância para colher votos. Aproveita-se da humildade, do sofrimento, da boa vontade e da religiosidade de pessoas carentes para construir e proliferar sua própria seita.
Uma fonte praticamente interminável de dinheiro e mandatos parlamentares que, a julgar pelos comentários de seus devotos na tal enquete, prospera milagrosamente.
Como resposta a uma psicóloga que descreveu as causas mais comuns, as formas de tratamento, as peculiaridades da doença, a forma como se dá no cérebro e as alterações na função e nos efeitos dos neurotransmissores de acordo com as mais recentes pesquisas científicas realizadas, um senhor, do alto de seu conhecimento, responde:
“Blablablablabla. Só merdinha de fatores científicos, quando q na verdade é a ausência do Espírito Santo na vida q causa esse abismo chamado depressão”.
Impressionante.
Outro ainda relata sua experiência pessoal.
“Depressão é um espírito do Diabo e só a fé em Deus vivo para esse espírito sair da alma dela. Remédio nenhum arranca a depressão. Como é que um remédio vai arrancar um espírito? Só quem é idiota burro para achar que a depressão se resolve com remédio. Eu falo isso porque eu fui curado da depressão. Jesus me curou, não foi remédio não”.
No original é preciso ler umas três ou quatro vezes para entender alguma coisa. Tomei a liberdade de pontuar e corrigir os erros. Se ainda assim você não compreende o que esse rapaz diz, não se preocupe, você está nas suas plenas faculdades mentais.
Esses são apenas dois exemplos da repercussão dessa irresponsabilidade. A coisa é muito maior. Mais de 8.300 pessoas “curtiram” a enquete. 10.600 pessoas compartilharam. Mais de 300 mil votaram.
Felizmente, o resultado (até o momento) indica que para 81% dos participantes a depressão é causada por doença.
Na contramão da racionalidade, para 19% a depressão é causa direta de espíritos maus que se apossam do corpo e da mente das pessoas.
No fim de tudo, as duas únicas conclusões científicas que podemos tirar de toda essa loucura é que: 1) Marco Feliciano é realmente um demônio e 2) ele não está sozinho.