Sobre policiar o luto alheio num dia como o da tragédia da Chapecoense. Por Marcelo Zorzanelli

Atualizado em 29 de novembro de 2016 às 16:42

 

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Qual é a diferença entre estas duas situações? Número um: juntar-se à turba que grita “lincha, lincha” frente ao suspeito de um crime numa comunidade em que a lei não chega; ou, número dois: na internet, juntar-se a uma tese improvisada sobre por que tal figura pública deve merecer a morte (ou coisa pior) por ter comentado “de forma errada” uma tragédia recente.

Até onde entendo, a diferença entre os dois é que os linchadores tiveram mais tempo para pensar se estavam sendo justos (demora para achar os paus e pedras indicados à tarefa).

O exemplo parece exagerado para quem faz a crítica na internet, claro, mas deve ser um eufemismo para quem apanha do outro lado.

Para já, precisamos como sociedade de um novo conjunto de regras para lidar com os escorregões de outrem; tochas e tridentes deste tribunal neurótico não estão ajudando ninguém.

Mesmo alguém que foi analfabeto digital até as 10h da manhã já aprendeu uma coisa: vivemos em busca de atenção na internet e este é o inimigo que motiva a banda dos que ofendem sem convicção e dos que caem de pau sem muito da mesma. O sujeito que fala a besteira na tentativa de se diferenciar e o outro que “lacra” posando de herói da moral querem a mesma coisa: atenção.

Antigamente, no mundo real, o jogo era de provocação; espetava-se o coleguinha, que era alguém de quem já se tinha previamente alguma ideia, com alguma sentença fabricada para a polêmica. A coisa toda terminava em baixaria, troca de acusações extemporâneas, às vezes socos na cara ou semanas, meses sem se falar. Mas, por fim, as partes aprendiam alguma coisa.

Hoje, a instituição conhecida como “a opinião das redes sociais” entra em imensas colisões frontais sem se preocupar em puxar as fichas ou anotar as placas para conferência posterior.

Vivemos num ambiente que mistura tudo: os que muito têm e os que nada têm a perder. Acaba que o ambiente cínico das celebridades em que a compaixão é uma commodity se torna a bússola moral do usuário médio. Faz parte do protocolo, do marketing, ser legal. Um esclarecimento pessoal: acho que devemos ser generosos e decentes, por tudo que há de mais sagrado. Mas sem pressa para crucificar este ou outro. Afinal, quem confere, caso a caso, se quem escorcha a vítima da vez faz o seu dever de casa? Para ficar no clichê, você dá bom dia para o seu porteiro?

Diga: quais as lágrimas reais? Melhor, existe regra para o luto alheio? “Hoje, morreu mamãe, Ou talvez, ontem, não sei bem”, abre-se a novela “O Estrangeiro”, do argelino Camus, uma das obras-primas sobre tudo que há de mais absurdo na vida. Se você olhar no manual da internet, está proibido de ser o existencialista Meursault.

Antes de usar a “moral vigente das redes sociais” para machucar o coleguinha, sugiro reparar que o outro existe e é o que se convencionou chamar de “irmão humano”. Sim, cabe lembrar que ele é o desconhecido que amanhã “poderia estar lá”.

Ja está muito longa a crônica, mas preciso registrar algo. Enquanto as redes brasileiras se afogam hoje num buraco de mesquinharia e homenagens de pau oco, recomendo a atitude dos insuspeitos cartolas da cidade que deu ao mundo Pablo Escobar. Eles decidiram pedir à Conmebol que dê à Chapecoense o título (mesmo que isso não dê em nada, o que é provável), mas não só: disseram a nós, seus irmãos, que para os livros de história, “de nossa parte, e para sempre, Chapecoense é campeão da Copa Sulamericana 2016”.

Precisamos de mais frases generosas assim, geradas de susto da tragédia mas gravadas no mármore da História e menos posts persecutórios e infelizes gravados em bytes.