Sobre saladas e hotéis. Por Eugênio Aragão

Atualizado em 17 de setembro de 2019 às 14:19
Salada Russa

POR EUGÊNIO ARAGÃO

Hoje vamos brincar de pavão misterioso e falar de culinária e hotelaria. A Salada Russa, conhecida na terra de Lênin pelo nome “Salada Olivier” («салат оливье») é comida típica da noite de Natal, forra o estômago de ricos e pobres. Pega-se o que tem na geladeira: restos de embutidos, apresuntado, legumes… corta-se em pedacinhos e depois derrama-se a ervilha em lata por cima. Mistura-se bem com maionese. Agrada a todos pela harmonia no paladar. É um consenso e, por isso, um prato nacional.

O problema é agradar a todos em desarmonia. Há saladas que são desarmônicas. Há filho que gosta de azeitona e há o que gosta de marshmellow. Para agradar a ambos, será que devemos misturar o último na salada de azeitona? Salada de azeitona e marshmellow? Soa bizarro.

Pois há quem faça política feito saladas desarmônicas. Normalmente quando não tem posição formada sobre nada, à busca, apenas, do poder e do prestígio em si, sem concepção e nem cosmovisão sobre os problemas postos pela função. O importante é agradar a todos, ainda que com salada de azeitona e marshmellow!

Ocorre que, como com a salada desarmônica, quem quer agradar a todos arrisca não agradar a ninguém! Melhor ter os amantes apenas da azeitona ou apenas do marshmellow a seu lado, do que misturá-los. Pode ser que alguns amantes do marshmellow gostem de azeitona também, ainda que em menor grau, ou vice-versa. Melhor ficar com uma parte dos comensais satisfeitos do que com todos insatisfeitos. Se os satisfeitos puderem harmonizar com o paladar de quem prepara a salada, melhor ainda!

O oportunista mostra a cara pelo modo como prepara sua salada. A sua costuma ser de uma desarmonia incapaz de esconder que não entende bulhufas de culinária. Ou de política. Nunca se preparou para se postar no balcão da cozinha, mas quer cozinhar! A comida não pode ser boa.

Quando o gerente do hotel resolve empregar um oportunista como master-chef, é claro que coloca a reputação de seu hotel em risco. A probabilidade de perder umas estrelinhas no Michelin é grande. Mas o hotel é de sua responsabilidade e não cabe aos auxiliares de cozinha e garçons por em questão a legitimidade do gerente para fazer a escolha. Faz parte do consenso organizacional que gerentes mandem, auxiliares de cozinha apoiem o master-chef e garçons sirvam. É assim que o hotel funciona, ainda que a salada seja péssima.

Assim é na política também. Estados existem porque neles há um consenso construído. Construído pelo diálogo, pela indolência ou pela força. Mas, sem consenso mínimo, o Estado não subsiste. Não pode o garçom querer ser master-chef e nem o auxiliar de cozinha fazer as vezes do gerente. Claro, se o gerente é ruim de serviço, é pouco provável que seus subordinados sejam uns ases no respectivo metiê. Mas há, para além do consenso, uma responsabilidade compartilhada para mantê-lo.

A Constituição de um Estado é como um job-description, um termo de referência que discrimina objetivos e funções do projeto. Quem escolhe o gerente do Estado, o seu CEO, é a assembleia de acionistas, o eleitorado. Este, por sua vez, empoderado pelos acionistas, escolhe master-chef, auxiliares de cozinha e garçons. Todos sabem que a autoridade do chefe é sacramentada pelos donos do pedaço, os acionistas. Se estes escolhem um beócio como gerente, não podem achar que deixarão a cozinha a salvo.

Quem escolhe mal um presidente, sabe que todas as instituições ficarão afetadas. Como na hotelaria, não se pode querer desviar do problema da má escolha, fazendo burocratas de uma repartição assumirem o papel do eleitorado e escolherem seu chefe entre eles, pouco se lixando com o resto do Estado. No hotel, tal conduta não impediria que o Michelin tirasse estrelinhas do estabelecimento. No governo do Estado, tanto não o protege do descalabro total.

Porque todos os burocratas, tal e qual auxiliares de cozinha, devem saber que são corresponsáveis pelo destino do Estado, não se pode lhes permitir que façam gestão autárquica de sua repartição. Se ajudaram a um desqualificado, por sua sabotagem da governança anterior, assumir o governo do país, não ficarão isentos das conseqüências e servirão sob um chefe que é a imagem e semelhança do desqualificado. Abrir brecha para que possam fazer a escolha diferenciada do chefe é passar-lhes a mão na cabeça e, definitivamente, isso não os impedirá de continuar a sabotar a governabilidade. Que o mau master-chef lhes sirva de lição.