Levante de mercenários contra Putin tem dedo dos EUA e da OTAN, diz sociólogo Lejeune Mirhan

Lejeune Mirhan fez uma análise ao DCMTV

Atualizado em 25 de junho de 2023 às 9:12
Lejeune Mirhan
Lejeune. Foto: Reprodução/DCMTV/YouTube

O sociólogo Lejeune Mirhan é professor aposentado e lecionou Sociologia e Métodos e Técnicas de Pesquisa da UNIMEP (Universidade Metodista de Piracicaba) e foi presidente da Federação Nacional dos Sociólogos. Marxista, ele hoje pesquisa grandes nomes da esquerda.

Pela Apparte Editora, publicou desde 2020 os livros “Lênin para principiantes”, “Marx para principiantes” e “Engels para principiantes”. Tem pela mesma editora em pré-venda “Stalin para principiantes”.

Ao programa DCM Ao Meio-Dia, o pesquisador fez uma análise do discurso do presidente russo Vladimir Putin e da tentativa de levante armado do líder mercenário Yevgeny Prigozhin, do grupo Wagner.

O governo russo anunciou, neste sábado (24), que fechou um acordo com os mercenários após o recuo das tropas que iniciaram uma revolta na sexta (23). 

A negociação entre as partes foi intermediada pelo governo de Belarus. De acordo com o Kremlin, a Rússia não processará o líder mercenário e nem vai punir os outros membros que participaram da rebelião. 

Veja os principais trechos da conversa com Lejeune Mirhan.

A ficha corrida do líder do grupo Wagner

É importante contar quem é esse grupo Wagner. E contar o que o Vladimir Putin fez, citando seu discurso e os principais trechos. 

Putin resgata no discurso dele a Guerra Civil de 1917, apoiada por 15 potências estrangeiras que queriam destruir a Revolução Russa. 

O Grupo Wagner é uma PMC, um grupo privado militar, sigla inglesa, é um exército de mercenários. É um exército particular. Exércitos mercenários ganham para pegar em armas, arriscarem suas próprias vidas, a família ganha seguro, direito à pensão e mais se eles vierem a morrer. Os sites militares estimam que são 50 mil o efetivo dessa corporação.

O fundador deles, o Yevgeny Prigozhin, é um homem com um passado muito obscuro. Ele vem do período soviético, mas nunca teve nenhuma vinculação com o partido na Rússia. Tem duas condenações por roubo e fraude. Uma delas é a 12 anos de prisão.

Prigozhin estava preso quando acabou a União Soviética, entre 1990 e 91. Ele só foi solto pelo novo regime, pelo novo governo do Boris Yeltsin, cara ligado aos Estados Unidos. 

De lá para cá, Prigozhin começou como vendedor de cachorro-quente. Ele passou dificuldade e foi crescendo. O termo oligarca, que o ocidente usa para classificar alguns grandes milionários russos, aqui se aplica para a burguesia. Essas pessoas tiveram um crescimento meteórico com a transferência do patrimônio estatal, do povo soviético, para essas iniciativas privadas.

Yevgeny Prigozhin pegou esse vácuo e enriqueceu. Passou a ser chamado de oligarca. É um homem sem ideologia. Sem ideologia é impossível. Mas a ideologia dele não é a ideologia revolucionária. Não é a ideologia socialista. Nem social-democrata. É um homem que defende os seus interesses.

É um soldado da fortuna. Quem quer contratar mercenário, publica anúncio em revista. É como lobista nos EUA. Mercenário, como a Blackwater administrou o Iraque com os americanos, atua de forma totalmente privada. Isso está amplamente documentado e é público. Para você ter uma ideia, eles atuaram no Sudão, na República Centro-Africana, Moçambique, Mali, Síria. Lutando contra outros mercenários, inclusive.

Prigozhin criou um exército de soldados da fortuna, que às vezes ganham mil dólares por dia. Russos apoiaram mercenários na Síria. 

A ligação do governo da Rússia com mercenários, com Putin governando desde 2000 como presidente ou primeiro-ministro, se fez perto de Prigozhin. Nunca entendi a relação de Vladimir Putin com essa figura nefasta. Nunca entendi mercenários estarem trabalhando com forças regulares russas. Lutaram na linha de frente da Guerra da Ucrânia e tiveram importantes vitórias.

Inclusive Putin diz que “heróis que libertaram essas cidades ucranianas agora voltam suas armas para os russos”. 

Prigozhin chama Putin de “mentiroso”

Prigozhin fez um vídeo de 12 minutos afirmando que o exército russo atacou o Grupo Wagner sem mais explicações. Isso é negado pelo Ministério da Defesa russo. E pelo próprio Vladimir Putin. Não há nenhuma lógica no exército da Rússia atacar um braço armado, ainda que não seja oficial, que está a seu serviço em tese.

Ele acusa Putin de ter mentido ao povo russo para justificar a operação militar especial que o ocidente chama de Guerra da Ucrânia, invasão da Ucrânia. 

Estranho ele ter reparado na mentira só 16 meses após o início da operação, sendo que Prigozhin está na linha de frente. Isso é que é muito estranho. Ele diz ter reunido todos os seus comandantes, que são todos mercenários. Se um deles é capturado pelos ucranianos, eles não são protegidos pelas leis internacionais porque não são soldados regulares. E podem ser assassinados. 

Discurso de Putin e o levante armado de mercenários

É um absurdo quando parte do povo ou do exército toma armas contra o governo. Quando isso é justo? Ou nunca isso pode acontecer? Pode. Tanto que aconteceu na Rússia em 1917. Aconteceu na China. Lá, em 1949 foi só a conclusão. Mas a Guerra Civil Chinesa ocorreu em 1931. Foram 18 anos de luta armada, de guerra popular prolongada na doutrina maoísta. 

Prigozhin diz que está fazendo isso e fez uma mobilização até a fronteira com a Ucrânia. Afirmou que fez com 25 mil homens. Evidente que o exército russo está tomando as providências para desmontar essa coluna. Estão primeiro conclamando eles a se entregarem, para não acontecer nada de mais grave. Agora, como o governo está categorizando isso?

Isso é um motim. Mas motim não se aplica apenas quando é dentro das forças militares regulares? O conceito de motim sim, se aplicar mais aos regulares. O motim do encouraçado Potemkin, de 1905, foi um motim contra os oficiais.

Essa caracterização não diz tudo, mas o que está acontecendo com os mercenários é um levante. Não podemos usar popular porque não tem povo ali. Levante de tropas não regulares, de mercenários.

O Prigozhin diz que não quer derrubar Vladimir Putin. Ele diz que quer derrubar o ministro da Defesa, Serguei Choigu. 

No discurso, Putin conclama a unidade do povo russo. Diz que esse sentimento não vai levá-los a uma guerra civil. Ele afirma que isso não acontecerá e que não será tolerado. E determinou medidas ainda mais severas antiterroristas. Assinou uma lei aumentando a pena para quem for detido praticando esses delitos.

Se um russo atentar contra outro russo, a pena de traição trará uma pena duríssima.

O Brasil tem uma lei antiterrorismo. Nós não gostamos dela, mas ela foi aprovada no nosso governo [o de Dilma]. E isso é assunto para outro dia.

E lá essa lei é duríssima. 

Prigozhin gravou outros vídeos. E há um feito por inteligência artificial de dois minutos, que é falso e ele já disse que é, que ajudam a alimentar esse clima.

Putin falou sobre os objetivos do conflito, que é desnazificar a Ucrânia, desmilitarizar e garantir a vida das pessoas na faixa mais russa.

Ucrânia e Prigozhin

A luta que o Putin reafirma é contra os nazistas e os patrões que os financiam. No caso da Ucrânia é um governo neonazista. Muito claramente eles [os ucranianos] declararam total apoio ao Prigozhin. Veja a política como ela é.

Até pouco tempo atrás, Prigozhin estava matando soldados do exército ucraniano. E não foram poucos os que foram liquidados por ele. 

Essa mobilização em torno do Prigozhin tem os dedos dos Estados Unidos e da Organização do Tratado do Atlântico Norte, a OTAN. Eu não tenho dúvida disso. 

Difícil entender essa mudança de comportamento de Prigozhin após 16 meses de guerra, que conhece Putin e é considerado seu “confidente” há mais de 10 anos. 

Só agora ele descobre que Putin mentiu? E faz uma rebelião? 

Mercenários trabalham para quem paga mais. Alguma coisa de fato pode ter acontecido. Alguma fonte de financiamento foi cortada. E eles podem ter entrado na folha de pagamento do Ocidente. Isso algum dia ficará provado. Não tenho dúvidas disso. São bilhões de dólares em armas que vão para lá. 

“Guerra pela energia”

Eu passei quase 30 anos lecionando e os alunos sempre perguntaram: “Vem ai a Terceira Guerra Mundial?”. E já estou aposentado há 10 anos. Eu sempre neguei isso. 

Depois de um certo tempo, mudei minha percepção. O que o mundo está vivendo é a consolidação do multipolar. O império [americano] está decadente. Cada vez menos as transações internacionais são feitas em dólar.

Hoje os Estados Unidos enxergam sua moeda sob ataque. As suas ideias estão sob contestação. E ai o império fica muito agressivo. Eles não querem perder o que conquistaram.

Um terço da Síria está ocupada pelos Estados Unidos. Não era guerra de sírio contra sírio, não era civil. Era uma guerra contra mercenários pagos pela Arábia Saudita e apoiados pelos EUA. Acabou a agressão externa e os americanos não foram embora. Porque é nesse terço que há imensas jazidas petrolíferas. Hoje a batalha no mundo é por petróleo.

Essa guerra na Ucrânia é pela energia. Os americanos precisam vender seu gás mais caro do que o gás russo. Angela Merkel era de direita na Alemanha, mas tinha visão. Se ela tivesse topado um quinto mandato como chanceler, essa guerra não teria acontecido.

Veja a entrevista na íntegra.

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