“Somos uma penosa exceção”, diz ex-chefe da Comissão de Mortos e Desaparecidos sobre processos da Ditadura

Atualizado em 26 de agosto de 2019 às 17:56
Procuradora Eugênia Gonzaga Fávero

Exonerada por Bolsonaro da Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos em meio à crise envolvendo o presidente da OAB, Felipe Santa Cruz, a procuradora da República, Eugênia Gonzaga Fávero, falou com exclusividade ao DCM a cinco dias de completar um mês fora do colegiado.

Lembrou que o Brasil está atrasado neste assunto em relação aos demais da América Latina.

“Somos uma penosa exceção na região em relação ao cumprimento dos deveres de justiça de transição, que consiste em enfrentar o legado autoritário com medidas de memória, verdade, reparação e responsabilização dos autores de graves violações”, diz ela.

“Países como Argentina, Chile e Peru tiveram suas comissões da verdade muito antes que o Brasil, as leis respectivas de anistia e outros óbices para a punição de agentes foram prontamente afastados por seus sistemas de justiça, sendo que lá, hoje em dia, existem inclusive altas autoridades processadas e cumprindo pena. Enquanto isso, no Brasil, as recomendações tardias da CNV estão caindo no vazio e nenhum agente foi condenado pelos crimes cometidos. Os poucos processos interpostos têm sido recusados ou paralisados no âmbito do Poder Judiciário”.

Eugênia foi substituída da presidência da Comissão por um assessor de Damares Alves, o advogado Marcus Vinícius Pereira de Carvalho, que ficou famoso em 2016 quando assinou o primeiro processo protocolado na Justiça Federal contra a indicação do ex-presidente Lula para o cargo de ministro da então presidente Dilma Rousseff.

Ela diz que não conhece as propostas da nova composição do colegiado, mas que o perfil dos indicados não traz uma expectativa animadora.

“Por outro lado”, pondera, “as presenças de duas familiares na comissão, que são extremamente atuantes, e do membro do MPF, assim como o comprometimento da equipe atual de trabalho podem fazer com que eles passem a compreender o papel da comissão e desistam de promover o desmantelamento de suas frentes de trabalho”.

A procuradora conta que ficou sabendo pela imprensa sobre sua demissão, mas que não guarda mágoas.

“Me sinto muito grata às famílias de mortos e desaparecidos políticos, amigos, colegas de trabalho e tantas pessoas que manifestaram por mim uma imensa solidariedade. Sinto até uma certa esperança porque vem se formando uma rede muito mais coesa em torno do tema, que agora será acompanhado com mais atenção da sociedade e terá o apoio de várias outras instituições para a continuidade dos trabalhos”.

Apontou os últimos avanços conquistados pela comissão.

“Conseguimos implantar uma sistemática de trabalho muito consistente no tocante à instrução de procedimentos, obtenção de recursos e prioridade absoluta para os familiares”.

Lembra que entre 26 e 28 de agosto no Centro Universitário Maria Antônia acontece o Seminário Internacional 40 Anos da Anistia e o legado das ditaduras na América Latina.

“Diversas instituições estão promovendo debates em todo o país para análise dessa conjuntura e sobre formas de garantir que os trabalhos não sejam interrompidos”.

Eugênia apontou focos que considera essenciais para a atuação da sociedade civil e de autoridades com atuação em justiça de transição:
– pleitear ao STF que coloque em pauta o julgamento dos processos relativos à Lei de Anistia, que se encontram suspensos com o Ministério Fux, desde 2011;
– insistir na continuidade dos trabalhos de análises de ossadas, incluindo as de Perus, Araguaia e de Ricardo Albuquerque, no Rio de Janeiro;
– manter e ampliar a realização de trabalho antemortem com todos os familiares e de constituição de banco genético;
– pleitear ao CNJ uma providência que resolva definitivamente a questão relativa à retificação de assentos de óbito.