A polêmica do sovaco de Victoria Rossetti, de “Pantanal”, reflete o nosso atraso. Por Nathalí

Atualizado em 14 de junho de 2022 às 11:25
Victoria Rossetti interpretou a personagem Nayara em Pantanal (Foto: Reprodução/Instagram)

Por Nathalí

Há muitas coisas absurdas e/ou estranhíssimas acontecendo no Brasil 2022 (café a vinte reais, por exemplo), mas, mesmo em meio ao caos, as pessoas ainda arranjam tempo de apontarem “problemas” no corpo feminino.

A atriz Victoria Rossetti, da novela Pantanal, acabou criando polêmica por uma simples foto com o sovaco cabeludo postada no instagram. Desculpa o palavreado: a coisa toda é tão ridícula que não cabe escrever “axila”. É sovaco mesmo.

Se você vive em um país com um presidente patético, índices altíssimos de fome e insegurança alimentar, ignorância sendo lida como ideologia e tantos etecéteras que eu poderia passar o dia listando, mas está preocupado com o sovaco da coleguinha, me desculpe, mas seus últimos dois neurônios já não sabem se comunicar.

“Por que não raspa o sovaco”, perguntou um seguidor. “Linda, mas esses cabelos embaixo do braço…” comentou outro.

E aí virou bairrismo. Outros seguidores, a favor do sovaco cabeludo, foram aparecendo para consolá-la com comentários como “deusa” ou “lindíssima”.

Percebamos: não é uma questão de certo ou errado. É uma questão de prioridades e de muito – mas muito – atraso cultural.

Quando um sovaco feminino e cabeludo ainda é símbolo de resistência em uma sociedade, esse atraso é nítido e inegável, reflete e está refletido em todo o resto. Quero dizer, na verdade, que isso não tem a ver só com o machismo – embora haja muita responsabilidade da sociedade patriarcal nesse contexto.

Acontece que a mesma sociedade que torna a depilação (ou não-depilação) um tabu, é capaz de questionar a segurança das urnas eletrônicas e acreditar em fake news tão patéticas quando a mamadeira de piroca. Estou me fazendo entender?

Na verdade, no fundo, a questão não é só o sovaco cabeludo – que sempre foi, para o patriarcado à brasileira, um sinal de sujeira e rebeldia -, mas o próprio conservadorismo que nasce da involução social que temos vivenciado nos últimos anos.

É claro que, em um cenário como este, as mulheres são mais atingidas. Os sovacos masculinos seguem em paz, assim como o resto de seus corpos (sem pressão por cirurgias íntimas ou lipoaspiração ou alongamento de cílios ou preenchimento labial ou tantos outros procedimentos estéticos direcionados a nós, mulheres).

Mas a questão, no caso do Brasil, vai além disso. Estamos atrasados em vencer ideias patriarcais arcaicas porque estamos atrasados em todo o resto, e a cada dia que vivemos sob o julgo dos conservadores, nos atrasamos um pouco mais.

Daí o poder da foto de Victoria Rossetti e seu sovaco de milhões: em um contexto como este, um sovaco cabeludo é rebeldia.

Bruna Linzmeyer que o diga: uma atriz de prestígio, dentro dos padrões de beleza, que vive expondo seus pelos e seu relacionamento lésbico. Ou mesmo Nanda Costa e Lan Lan, o casal queridinho dos progressistas. Ou Camila Pitanga, que já assumiu os pelos e as namoradas.

O que quero dizer com isso é que, acaso não estivéssemos tão atrasados, um simples sovaco ou o amor entre mulheres não seriam rebeldia, seriam o lugar comum.

Mas, em se tratando de Brasil, minhas amigas, isso é a nossa revolução – talvez a única possível nestes tempos de cegueira.

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Nathalí Macedo
Nathalí Macedo, escritora baiana com 15 anos de experiência e 3 livros publicados: As mulheres que possuo (2014), Ser adulta e outras banalidades (2017) e A tragédia política como entretenimento (2023). Doutora em crítica cultural. Escreve, pinta e borda.