Spotify indica a usuários pagode com acusações a Moraes e ao TSE

Atualizado em 16 de julho de 2024 às 21:32
Ilustração de urna eletrônica com música em fundo verde
Ilustração: Giovana Abreu/Intercept Brasil

O que parecia ser uma simples tarde de lazer se transformou em um susto para o programador paulistano Vinícius Ferreira, de 32 anos. Em junho deste ano, ele colocou no Spotify uma versão de Zeca Pagodinho para o clássico samba “Brincadeira tem Hora”. Logo depois, afastou-se do celular, permitindo que a plataforma selecionasse outras músicas automaticamente.

Para sua surpresa, após alguns minutos, um samba desconhecido começou a tocar. “Xandão tem toda culpa de o Brasil ficar desconfiado. É eles mesmos que fazem a contagem que faz o resultado da apuração,” cantava o artista Boca Nervosa, até então desconhecido por Vinícius. Incrédulo, ele gravou um vídeo da tela do seu celular, onde se confirmava a recomendação da música “Pagode do Barroso” pelo Spotify.

Ele não foi o único a notar essa recomendação estranha, de acordo com o Intercept Brasil. No Twitter, pelo menos outros sete assinantes relataram casos semelhantes ao ouvirem pagodes tradicionais e serem surpreendidos com músicas de Boca Nervosa.

Desinformação e Parceria com o TSE

A recomendação pelo algoritmo do Spotify chama a atenção, especialmente porque, em maio de 2022, a plataforma firmou uma parceria com o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) para combater a desinformação durante as eleições. A plataforma se comprometeu a direcionar os usuários para informações relevantes sobre as eleições e a derrubar conteúdos que violassem a integridade do processo eleitoral.

Os termos de uso do Spotify são claros ao proibir conteúdos que tentem manipular ou interferir nos processos eleitorais, como produções que deturpem os processos cívicos ou desencorajem a participação nas eleições.

Post de internauta no X
Post de internauta no X – Reprodução

Reação do Spotify e Análise das Músicas

O Intercept entrou em contato com o Spotify e enviou exemplos das músicas de Boca Nervosa que pareciam descumprir as regras do streaming. Um assessor de imprensa afirmou que a plataforma revisou o conteúdo das músicas mencionadas e decidiu manter as faixas em seu serviço.

Boca Nervosa e Suas Músicas Polêmicas

“Pagode do Barroso” foi lançado em setembro de 2023 por Edmar Marques da Silva, conhecido como Boca Nervosa. Esta não foi sua primeira composição do tipo. Em junho de 2023, ele lançou uma música sobre o julgamento do TSE que tornou o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) inelegível.

Nas letras, Boca Nervosa faz afirmações falsas, sugerindo que o TSE, institutos de pesquisa eleitoral e Alexandre de Moraes teriam apoiado Lula, além de disseminar desconfiança sobre o resultado eleitoral.

“Vocês levaram dessa vez essa eleição.

Juntando todos os partidos, vai pensar o capitão.

Teve apoio do TSE e do Xandão.

De Instituto de Pesquisa, e toda a mídia que apoia ladrão.

Nesse jeito nem Jesus ganharia essa eleição”

Trecho da música “Pagode do Bolsonaro Inelegível”, de Boca Nervosa.

Post de internauta no X
Post de internauta no X – Reprodução

Boca Nervosa afirma em outra música que teve suas contas nas redes sociais derrubadas, mas segue com perfis ativos em todas as plataformas. No Instagram, ele possui quase 30 mil seguidores e destaca uma fotografia ao lado de Bolsonaro.

Natural de Olímpia, no interior de São Paulo, Boca Nervosa tem quase 40 anos de carreira no pagode. Em 2016, ele se voltou para temas políticos com o álbum “Diário da Corrupção”, que inclui a faixa “Não é nada meu”, sugerindo falsamente que Lula teria um filho milionário. O clipe ultrapassa 400 mil visualizações no YouTube.

Perigos do Negacionismo Eleitoral

A indicação das músicas pelo Spotify levou o portal a procurar especialistas em negacionismo eleitoral para entender os perigos do discurso de Boca Nervosa. Flávia Pellegrino, cientista política e coordenadora-executiva no Pacto pela Democracia, explicou que a descredibilização de processos eleitorais se baseia na disseminação de dúvidas infundadas.

“O negacionismo eleitoral é um processo complexo e muito difícil de ser enfrentado, até porque sua emergência não é baseada em fatos, indícios ou provas de qualquer vulnerabilidade do sistema, mas por afirmações infundadas que facilmente cumprem seu objetivo. Isso porque não se trata de atestar fraudes, mas estimular a mera suspeição acerca do sistema já é suficiente para que o negacionismo eleitoral ganhe forma e força dentro da sociedade”, resumiu.

Ela também destacou a gravidade das consequências desse tipo de discurso, mencionando a tentativa de ruptura democrática em 8 de janeiro de 2023 como um reflexo direto desse processo falacioso de desestabilização do processo eleitoral de 2022.

Post de internauta no X
Post de internauta no X – Reprodução

Regulação das Plataformas e Transparência

A jornalista Liz Nóbrega, que investiga o tema na plataforma de pesquisadores Desinformante, expressou preocupação com o fato de que o algoritmo do Spotify sugira canções como as de Boca Nervosa. Ela argumenta que a recomendação da plataforma altera o modelo de circulação de um conteúdo normal, dando-lhe mais tração.

Nóbrega apontou que as políticas do Spotify são abrangentes e proíbem apenas conteúdos ilegais, o que abre um leque delicado, pois a definição de ilegalidade cabe ao sistema jurídico, não à plataforma. Ela defende a necessidade de mecanismos regulatórios que tragam parâmetros claros para a moderação de conteúdo nas plataformas.

Em janeiro de 2022, após um movimento de boicote iniciado pelo cantor canadense Neil Young contra podcasts antivacina, o Spotify anunciou medidas para combater a desinformação sobre a Covid-19, incluindo links confiáveis em episódios que mencionassem o vírus.

Daniel Ek, presidente e fundador do Spotify, admitiu na ocasião que a plataforma não atuava de forma transparente e destacou os riscos da produção e difusão de informações falsas à sociedade.

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