STF retoma hoje julgamento que resgata Constituição e, em consequência, devolve liberdade a Lula. Por Joaquim de Carvalho

Atualizado em 7 de novembro de 2019 às 8:33
Lula, no dia em que foi preso

O Supremo Tribunal Federal (STF) retoma nesta quinta-feira o julgamento das ações diretas de constitucionalidade sobre o artigo 283 do Código de Processo Penal, que determina:

“Ninguém poderá ser preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada da autoridade judiciária competente, em decorrência de sentença condenatória transitada em julgado ou, no curso da investigação ou do processo, em virtude de prisão temporária ou prisão preventiva. (Redação dada pela Lei nº 12.403, de 2011).

Será o resgate da Constituição, que, como disse o jurista Cláudio Lembo em encontro de advogados em São Paulo, está ferida.

“Neste cenário macabro que nós estamos vivendo, a primeira conotação é que é ingenuidade pensar que a Constituição existe. A Constituição de 88 passou a ser algo absolutamente secundário. Está aí o caso da presunção de inocência. É tão clara a Constituição e tão violento o que fez o Supremo Tribunal Federal que nós não temos palavras para reagir. Estamos todos muito fracos perante um poder que se arrogou em si mesmo os três poderes contra a sociedade”, disse, em um encontro com advogados que ocorreu em um hotel de São Paulo.

O encontro foi em junho do ano passado, dois meses e meio depois da prisão de Lula. Mas Lembo não falava apenas do caso do ex-presidente, embora seu cárcere tivesse chamado a atenção para uma decisão que o STF tinha tomado dois anos antes, quando, no auge da Lava Jato, tinha ignorado o artigo 5o da Constituição e autorizado a prisão provisória.

“É dramático o momento brasileiro. Há na verdade, na minoria branca, uma inveja imensa do Lula. Lula salvou o Brasil num determinado momento. A inveja da minoria branca é imensa, muito grande”, afirmou.

Cláudio Lembo foi reitor da Universidade Mackenzie, fundada por norte-americanos, um dos centros do pensamento conservador do Brasil, e um dos nomes mais fortes da direita nos últimos 60 anos. Trabalhou com Marco Maciel, líder dos militares no Congresso nos anos 70 e 80, e vice-presidente da república no governo Fernando Henrique Cardoso.

Lembo também assessorou Aureliano Chaves, vice-presidente o governo do general João Baptista Figueiredo, e foi secretário de Jânio Quadros, a quem substituiu algumas vezes como prefeito de São Paulo. Trabalhou com Paulo Maluf e Gilberto Kassab na prefeitura, e foi governador do estado de São Paulo, quando Geraldo Alckmin renunciou para disputar a presidência com Lula, em 2006.

Nunca foi ligado a administrações de esquerda, mas tem o mesmo diagnóstico desse campo no que diz respeito a uma das razões do atraso institucional do país.

“Eu confesso que a única forma que eu vejo é a movimentação social. Indiscutivelmente é preciso que a sociedade compreenda— mas como? — que os meios de comunicação estão nas mãos dos três poderes, que faz dos três poderes algo que é um mero instrumento. É dramático o momento brasileiro”, disse naquele encontro.

Alguns dias depois da fala de Lembo, em julho de 2018, a associação entre a mídia e setores do sistema de justiça produziu uma aberração jurídica. A Polícia Federal, Sergio Moro, desembargadores do TRF-4 e a procuradora Raquel Dodge se movimentaram para impedir o cumprimento de um alvará que devolveria a liberdade a Lula, ainda que provisória.

Foi nesse ambiente que Cláudio Lembo exprimiu palavras pessimistas:

“Combater, neste momento, a luta judicial é uma quase ingenuidade, uma quase loucura, quase suicídio. Eu lamento. Confesso minha profunda angústia em ver o meu país, o Brasil, tão abaixo do nível de civilização, como está no momento atual. É uma democracia frágil, uma democracia falsa, uma democracia meramente de fachada, o que é lamentável. Vivemos uma grande farsa”.

Naquele momento, a presidente do STF, Carmem Lúcia, se recusava a colocar em julgamento as ações diretas de constitucionalidade sobre o artigo 283 do Código de Processo Penal, ações que tinham dado entrada no STF em maio de 2016, quando Lula nem tinha ainda sido denunciado pelo MP.

Carmem Lúcia se recusa a colocar a matéria em julgamento, sob o argumento explicitado de que o texto poderia beneficiar Lula e, com isso, “apequenar” o STF.

Ou seja, impediu o resgate da Constituição porque sabia que o resultado do julgamento alcaria Lula.

Os tempos mudaram.

No julgamento que será retomado hoje no STF, já é esperado o voto contrário de Carmem Lúcia ao princípio constitucional da presunção de inocência, mas não devem votar assim Gilmar Mendes, Celso de Mello e Dias Toffoli.

Com isso, o placar a favor da Constituição será de 6 a 5. Ganhará o Brasil, e Cláudio Lembo, assim todos os progressistas e também conservadores lúcidos, poderá dizer que saímos do abismo ou que já estamos vendo uma luz do fim do túnel.

Lula poderá deixar a prisão com esse julgamento —o que não representará justiça ao ex-presidente, que só ocorrerá com o reconhecimento, também pelo STF, da parcialidade de Moro, com a consequente anulação dos processos que o envolvem e que foram conduzidos pelo agora ministro de Jair Bolsonaro.

O volta da presunção de inocência não é tudo, mas já é uma grande vitória na luta para virar a página da “democracia de fachada” a que se referiu Lembo.

Lembo