STF tem grande responsabilidade pelo caos que a Lava Jato levou ao nosso processo penal. Por Afrânio Silva Jardim

Atualizado em 8 de outubro de 2019 às 16:25
STF. Foto: Reprodução/Twitter

PUBLICADO NO EMPORIO DO DIREITO

POR AFRÂNIO SILVA JARDIM

Na minha avaliação, o obscurantismo já chegou ao nosso sistema de justiça criminal.

Na verdade, o Supremo Tribunal Federal tem grande responsabilidade de a “Lava Jato” ter levado o caos para o nosso processo penal.

Entendo que o Conselho Nacional do Ministério Público também tem grande parcela de culpa, seja pelo seu flagrante corporativismo, seja pela emissão da Resolução 181 de 2017, parcialmente alterada pela Resolução 183 do ano seguinte.

Entretanto, vamos ao tema que mais nos interessa agora.

Após julgar procedente um pedido de anulação de ato processual, através de rumorosa ação de Habeas Corpus, a maioria dos ministros do S.T.F. decidiu elaborar um texto com teses jurídicas para “servir de modelo” para os demais magistrados brasileiros.

Este Habeas Corpus tratou de anular um processo de primeiro grau de jurisdição a partir das alegações finais dos réus, por não ter o réu delatado apresentado sua defesa após as alegações do corréu delator.

Por amor à brevidade e por preocupação didática, manifestamos o nosso ponto de vista de forma objetiva e tópica:

1) O punitivismo acaba por “cegar” as pessoas; O punitivismo pode levar juristas a posturas cínicas e à falta de honestidade intelectual.

2) A chamada “Lava Jato” continua sendo blindada pelo Poder Judiciário, malgrado algumas críticas pontuais. O S.T.F. também passou a entender que os fins justificam os meios !!!

Para não deixar de punir, distorce o sistema processual penal, que ficou caótico.

3) Em uma ação de Habeas Corpus, cabe ao S.T.F. apenas julgar procedente ou improcedente o pedido do autor (impetrante). Os limites objetivos e subjetivos da coisa julgada são esclarecidos pela Teoria Geral do Processo.

4) No processo penal, que trata de valores indisponíveis, como a liberdade das pessoas, descabe adotar a sistemática prevista no novo Código de Processo Civil sobre a vinculação a precedentes judiciais, mais própria do sistema da “Common Law”.

5) No processo penal, descabe esta visão autoritária de impor aos demais juízes este ou aquele entendimento dos ministros do S.T.F. No processo penal, o valor “justiça” é o mais relevante de todos.

6) O S.T.F. não tem autorização constitucional para criar regras vinculativas, salvo as chamadas Súmulas Vinculantes e o seu Regimento Interno.

O S.T.F. está querendo legislar e impor seu entendimento (não unânime) a todo o sistema de justiça. Puro autoritarismo. Enfim, o S.T.F. deseja, na prática, que todas suas decisões virem uma espécie de “súmulas vinculantes”. Absurdo !!!

7) As súmulas não vinculantes servem apenas de referencial para os operadores do Direito, não vinculando qualquer órgão público ou qualquer pessoa, física ou jurídica.

8) O S.T.F. não tem poderes para legislar, criando regras de condutas genéricas e abstratas. A ele, cabe aplicar o Direito existente ao caso concreto.

9) A chamada “modulação dos efeitos” de uma determinada decisão somente tem cabimento legal diante de uma ação direta de inconstitucionalidade (processo objetivo). Ademais, precisaria de um quórum de 2/3 dos ministros.

10) Assim, não faz qualquer sentido o S.T.F. criar teses para dizer sobre a repercussão, em todo o sistema de justiça, de uma sua decisão prolatada em uma ação de Habeas Corpus.

11) Ademais, estas teses não serão cogentes, vale dizer, não terão eficácia para obrigar os demais magistrados, membros do Ministério Público, Defensores e Advogados em qualquer outro processo.

12) O que fica claro, nada obstante o cinismo que transborda do citado julgamento, é o escopo de proteger mais um equívoco ou excesso da chamada operação Lava Jato, tudo influenciado pelo referido nefasto punitivismo, como se coubesse ao Poder Judiciário “COMBATER” a corrupção em um sistema processual acusatório.

13) Diante de tantos desmandos, equívocos, “contorcionismos”, artimanhas e estratégias para não beneficiar, ainda que indiretamente, o ex-presidente Lula, sinto-me no direito de suspeitar de alguma forma de tutela militar sobre o nosso sistema de justiça criminal, sobre a nossa combalida e frágil democracia.

Em conclusão, a instabilidade política e jurídica surge quando um tribunal de cúpula do Poder Judiciário opta por se afastar do que dispõe a Constituição da República e as leis do país, buscando agradar à suposta opinião pública e atender expressiva corrente ideológica de seus membros.

Muitos têm dito, com razão, que alguns dos membros do atual Supremo Tribunal Federal se perderam no afã de “combater” a epidêmica corrupção existente em nossa sociedade e acabaram se perdendo em artimanhas, manobras e expedientes interpretativos, violando princípios constitucionais e desprezando a ética que deve nortear qualquer magistrado que tenha honestidade intelectual.

Enfim, estes ministros do S.T.F., ao blindarem a “Lava Jato”, adotaram o malsinado princípio de que os fins justificam os meios.

Termino afirmando que, em meus quarenta anos de atuação junto ao Poder Judiciário e como professor de Direito, este é o pior Supremo Tribunal Federal de que tive notícia. Ele é um dos motivos de minha aposentadoria no magistério superior.