Por Danilo Vital
O coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra, enquanto agente do Estado responsável pela repressão durante a ditadura, não pode responder pessoalmente a ação pelos danos causados. E, ainda que pudesse, essa pretensão já está prescrita.
Essa conclusão é da 4ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, que, por 3 votos a 2, negou provimento ao recurso especial ajuizado pelos familiares do jornalista Luiz Eduardo Merlino, que teve a morte presumida em 1971 após ser preso pelo governo e desaparecer.
O colegiado manteve a posição do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP), que em 2018 entendeu que o pedido, embora não atingido pela Lei de Anistia de 1979, já estava prescrito. Tomou-se como marco inicial da prescrição a promulgação da Constituição de 1988.
A ação foi ajuizada pela ex-companheira e pela irmã de Merlino. A sentença de primeira instância condenou Brilhante Ustra a pagar R$ 50 mil a cada uma delas e reconheceu-o como responsável por, inclusive, dirigir e calibrar a intensidade e duração da tortura praticada.
Brilhante Ustra, que comandava o Destacamento de Operações de Informações do Centro de Operações de Defesa Interna (DOI-Codi) em São Paulo, morreu em 2015, enquanto aguardava o julgamento do recurso no TJ-SP.
O voto vencedor no STJ foi proferido pela ministra Isabel Gallotti. Ela foi acompanhada pelos ministros João Otávio de Noronha e Raul Araújo.
Ficou vencido o ministro Marco Buzzi, relator da matéria. Para ele, não há prescrição porque o pedido de indenização envolve tortura, crime contra a humanidade. Ele foi acompanhado pelo ministro Antonio Carlos Ferreira.
Quem processar?
O primeiro obstáculo reconhecido para processar Brilhante Ustra é o da legitimidade para constar no polo passivo da ação. A posição do Supremo Tribunal Federal no RE 1.027.633 é de que ação por danos causados por agente público deve ser ajuizada contra o Estado.
Em tese, os familiares de Luiz Eduardo Merlino poderiam processar a União. Se derrotado, o ente público teria a possibilidade de ajuizar ação de regresso para cobrar de Brilhante Ustra ou seus sucessores pelo prejuízo causado.
A tese do STF foi estabelecida em 2019, muito depois do ajuizamento da ação pelos familiares do jornalista torturado, em 2010. Ainda assim, poderia incidir porque a legitimidade, sendo matéria de ordem pública, pode ser invocada a qualquer momento, segundo a ministra Gallotti.
O ministro Buzzi se opôs por duas razões. A primeira é que a questão não foi ventilada em contrarrazões pela defesa de Brilhante Ustra, nem debatida pelo TJ-SP. Estaria preclusa, portanto.
A segunda é a interpretação segundo a qual a tese do STF só deveria valer nas situações em que o dano causado ao particular é provocado por conduta do agente público no cumprimento de sua função. Se a conduta é alheia ao cargo, a ação pode ser diretamente contra ele.
Até quando processar?
A segunda razão para derrubar a ação de indenização pelos danos morais é a prescrição. O relator afastou sua incidência porque crimes contra a humanidade são imprescritíveis, devido à afronta à dignidade da pessoa humana e os empecilhos criados pelo próprio Estado para a investigação.
No voto vencedor, a ministra Gallotti apontou que essa posição vai de encontro ao movimento histórico que levou à aprovação da Lei da Anistia, em 1979, o que permitiu a redemocratização e a abertura política lenta e gradual no país.
“Os crimes foram horrendos e repugnantes, mas exatamente esse lado foi alvo da anistia. O lado criminal foi apagado. O que se busca aqui é uma indenização com base em normas de Direito Civil”, disse a magistrada.
Ela destacou que, com a promulgação da Constituição de 1988, a família de Luiz Eduardo Merlino já não tinha obstáculo para ajuizar a ação, pois não havia risco de perseguição ou represália. Ainda assim, esperou 22 anos para fazê-lo.
Publicado originalmente por ConJur
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