Sucessão na PGR: da pior maneira, mais uma tradição republicana foi jogada no lixo. Por Carlos Fernandes

Atualizado em 29 de junho de 2017 às 17:47
Janot e sua sucessora Raquel Dodge

No dia 28 de junho de 2003 acabava uma das mais irresponsáveis gestões da Procuradoria-Geral da República já vista no país. Neste dia o senhor Geraldo Brindeiro encerrava o seu quarto mandato como PGR, uma vez que foi sucessivamente reconduzido ao cargo pelo então presidente FHC.

Brindeiro foi aquele cidadão apelidado, não sem razão, de engavetador-geral da república. A alcunha lhe foi imposta por ter engavetado 242 processos criminais, além de ter arquivado outros 217 de um total de 626. Contabilizado tudo que chegou aos seus cuidados, apenas 60 denúncias foram efetivamente aceitas.

Não é à toa que ainda hoje tenha inocentes úteis que ainda acreditam no mantra desbotado da classe média cujo mote é o de que “nunca se viu tanta roubalheira no Brasil como agora”. Cabe aqui o ditado: “o que os olhos não veem o coração não sente”.

Foi com a posse de seu sucessor, Cláudio Lemos Fonteles, indicado por Lula respeitando-se o primeiro da lista tríplice dos Procuradores da República, que iniciava-se uma tradição republicana por finalidade última de fortalecer e preservar a soberania e independência da PGR.

De lá para cá absolutamente todos os candidatos a Procurador-Geral da República mais votados pelos seus pares foram os indicados pela presidência ao cargo. Para o bem e para o mal a instituição vive atualmente o pleno exercício de suas funções onde o próprio presidente da República é alvo de suas investigações.

Até hoje.

Sem qualquer legitimidade e após já ter indicado um tucano de carteirinha para o STF, Michel Temer jogou às favas a tradição e indicou para a PGR a Subprocuradora-Geral da República, Raquel Elias Ferreira Dodge.

Segunda colocada na lista, Raquel Dodge assumirá o posto indicada por Temer pelos piores motivos possíveis. Indiferente de suas credenciais a tornarem inegavelmente apta ao desafio, a sua escolha possui um carácter muito mais político do que técnico.

Fruto de uma reunião às escondidas (mais uma) entre Michel Temer, Moreira Franco, Eliseu Padilha e Gilmar Mendes, mais do que colocar Dodge na PGR, a sua indicação visou retirar do páreo o primeiro colocado da lista, Nicolao Dino.

Dino é um declarado crítico à gestão Temer e defendeu no TSE a cassação da chapa Dilma-Temer. Convenhamos, tudo o que o agonizante presidente não precisa nesse momento é de mais um Procurador-Geral que não se curve aos seus desmandos.

É nesse contexto, sob conchavos entre quadrilheiros palacianos, que Raquel Dodge chega ao mais alto posto do Ministério Público num dos mais dramáticos momentos políticos de nossa história.

E ela sabe disso.

O que nós não sabemos é como a primeira mulher a ocupar o cargo de Procuradora-Geral da República responderá (ou seria agradecerá?) à quebra de uma tradição recente e do visível enfraquecimento a que está sendo submetido a Procuradoria-Geral da República.

Em nota, a Associação Nacional de Procuradores da República (ANPR) afirmou que se Michel Temer tivesse escolhido Nicolao Dino, “certamente, teria mais respaldo da classe”.

Esperar coerência e respeito de um sujeito que chegou à presidência da República via golpe de Estado parece ser uma ingenuidade infantil que afeta muitas instituições brasileiras.

O fato é que o cenário está montado. Quebrada mais uma tradição republicana criada pelo PT, já temos todos os ingredientes para que uma nova versão do engavetador-geral da república seja editada.

Confirmada as piores projeções, é capaz de que os “cidadãos de bem” do Brasil voltem a ter aquela reconfortante impressão de que a corrupção no país “diminuiu”.

Enquanto isso, membros do Ministério Público podem se juntar à Polícia Federal e tantas outras instituições e chorar pelo leite derramado.