Suprema Corte dos EUA mantém lei que restringe liberdade de expressão de big techs

Atualizado em 18 de agosto de 2025 às 21:25
Prédio da Suprema Corte dos EUA, em Washington. Foto: Reprodução

Por João Ozorio de Melo, no Conjur

Sem apresentar qualquer razão, como é comum em suas pautas de emergência (emergency dockets), a Suprema Corte dos Estados Unidos permitiu a entrada em vigor de uma lei do estado de Mississippi que restringe a liberdade de expressão das plataformas de redes sociais — pelo menos até que o processo (NetChoice v. Lynn Fitch) cumpra sua tramitação normal pelas cortes.

Curiosamente, o governo de Donald Trump, que acusou o Judiciário brasileiro — e especialmente o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal — de minar a liberdade de expressão das plataformas, não disse uma palavra sobre a decisão. O Departamento de Justiça não interferiu no processo para tentar salvar os possíveis “direitos” das big techs.

A lei de Mississippi requer verificação de idade dos usuários das redes sociais e estabelece que menores de 18 anos só podem abrir contas com consentimento dos pais. As plataformas devem ainda impedir que menores tenham acesso a “conteúdo danoso”, sob pena de lhe serem aplicadas multas de US$ 10 mil.

Em primeira instância, o juiz federal Halil Suleyman Ozerden emitiu uma decisão liminar proibindo a entrada em vigor da lei, por considerá-la inconstitucional. Para o julgador, a norma viola o direito à liberdade de expressão (no caso, das big techs), garantido pela Primeira Emenda da Constituição dos EUA.

O juiz atendeu a um pedido da NetChoice, organização que representa nove plataformas de redes sociais — Facebook e Instagram (Meta), YouTube (Google), X (ex-Twitter), Reddit, Snapchat (Snap Inc.), Pinterest, Dreamwidth e Nextdoor (rede social para vizinhos). A entidade representa ainda muitas empresas de tecnologia fora do universo da mídia social.

Porém, o Tribunal Federal de Recursos da 5ª Região, o mais conservador-republicano do país, anulou a decisão de primeiro grau — também sem dar qualquer explicação. A NetChoice recorreu à Suprema Corte, que rejeitou o pedido para julgar o caso. Assim, prevaleceu a decisão do tribunal de recursos, que permitiu a vigência imediata da lei.

Extorsão sexual

A lei Walker Montgomery Protecting Children Online Act adota o nome de um adolescente (de 16 anos) que se suicidou em 2024, vítima de um esquema de extorsão sexual (sextortion scheme). O autor da extorsão criou uma conta no Instagram, com identidade falsa, e convenceu Walker a lhe enviar fotos em que aparecia nu. Recebidas as fotos, ele ameaçou compartilhá-las publicamente se o adolescente não lhe pagasse US$ 1 mil.

Em defesa da lei, Mississippi argumenta que ela impõe “encargos modestos” aos usuários e empresas, pois exige apenas que os sites protejam as crianças e adolescentes de danos online, que o Estado tem o poder de regular.

A NetChoice sustenta, por sua vez, que a lei é inconstitucional porque “impõe sérias restrições ao acesso, de crianças, adolescentes e adultos, ao discurso protegido, bem como ao uso poderoso da internet para fazer suas vozes ouvidas”.

“A lei viola a garantia constitucional à liberdade de expressão sem interferência governamental. As exigências de monitoramento e censura de categorias vagas do discurso limita o acesso das pessoas a informações importantes, desde os ensinamentos de professores universitários a declarações de líderes políticos e a quaisquer outros eventos criativos”, alega a NetChoice em sua petição.

Logo de big techs. Foto: Reprodução

Para a organização, há outros instrumentos disponíveis para os pais que querem proteger seus filhos de conteúdo danoso — tais como controles paternos de navegação na web —, que podem ser usados para regular as atividades online das crianças e de adolescentes.

Diversas petições de amici curiae (amigos da corte), a favor da NetChoice, foram protocoladas na Suprema Corte — incluindo uma que agregou diversas editoras de livros. Elas alegam que “a lei irá restringir a capacidade de menores de pesquisar e comprar novos livros, bem como de discutir, analisar e entender eventos atuais”.

Em outra petição, empresas de tecnologia alegam que “a lei impõe uma barreira injusta a menores e um fardo a adultos que buscam se expressar de forma protegida online”. Um grupo que visa coibir predadores de crianças escreveu, em outra petição, que “a lei não cumpre o objetivo pretendido de proteger as crianças”.

Essa é a segunda decisão da Suprema Corte, nos últimos meses, que lida com a questão da proteção a crianças e adolescentes que usam a internet. Em junho, o tribunal manteve uma lei do Texas que restringe o acesso de menores a sites pornográficos ao determinar que todo e qualquer usuário deve comprovar sua idade.

Por 6 votos (dos ministros conservadores) a 3 (das ministras liberais), a corte decidiu, nesse caso, que tal restrição não viola a garantia à liberdade de expressão da Primeira Emenda. “A restrição exerce apenas um efeito incidental sobre o discurso protegido”, escreveu o ministro Clarence Thomas no voto da maioria.

A procuradora-geral do Mississippi, Lynn Fitch, argumentou que a lei do estado “tem a função de proteger crianças contra predadores sexuais”. Ela disse que a liminar do juiz de primeiro grau é “profundamente falha” e em conflito com a decisão da Suprema Corte que manteve a lei do Texas.

Lynn Fitch destacou que o caso do Texas (Free Speech Coalition v. Paxton) também envolve uma lei que visa proteger crianças e adolescentes online. “A indústria do entretenimento adulto também alegou que a lei do Texas violava preceitos constitucionais, mas perdeu.”

A decisão da Suprema Corte sobre a norma do Mississippi gerou apenas um voto concorrente, do ministro conservador Brett Kavanaugh. O magistrado quis fazer um alerta. Ele disse que concordava com a decisão da corte porque a concessão da liminar não era apropriada neste momento, mas que “a lei em questão é provavelmente inconstitucional”.

Isso indica o que será, provavelmente, seu voto no julgamento final. Em sua opinião, a NetChoice será bem-sucedida em seu argumento de que a lei viola o direito à liberdade de expressão das plataformas de redes sociais. Com informações adicionais de National Public Radio (NPR), The Hill, The Washington Post e MSNBC.