Susan Sontag sem metáforas em entrevista à Rolling Stone. Por Luísa Gadelha

Atualizado em 15 de abril de 2016 às 19:12
Susan Sontag
Susan Sontag

Susan Sontag (1933-2004) foi uma ensaísta, romancista, dramaturga, cineasta e ativista política que descreveu a paixão do intelecto com as seguintes qualidades: avidez, apetite, aspiração, anseio, apetência, insaciabilidade, arrebatamento e inclinação.

Em 1978, foi entrevistada pelo jornalista Jonathan Cott para a revista Rolling Stone. Só um terço da longa entrevista de doze horas foi publicado à época. Em 2013, a entrevista foi publicada na íntegra e agora a Editora Autêntica lançou-a em português (Susan Sontag – Entrevista completa para a revista Rolling Stone, 127 páginas, tradução de Rogério Bettoni).

Para quem não conhecia Susan Sontag, o livro é uma encantadora maneira de adentrar no seu universo, que vai desde ensaios sobre fotografia, fascismo, metáforas, feminismo, rock’n’roll, estética e literatura. Para quem já a conhece, a entrevista é um verdadeiro deleite.

Como o próprio Jonathan Cott explica no prefácio, “Susan [durante a entrevista] não dizia frases, mas parágrafos extensos e bem cuidados. E o que me chamou mais atenção foi a exatidão e o ajuste moral e linguístico”. Susan conversa de maneira concisa, natural e espontânea e, ainda assim, literária e convicta em suas opiniões.

Fala com franqueza sobre sua experiência contra o câncer que a acometeu e que deu origem a seu livro A doença como metáfora – em que trata não da doença propriamente dita, mas sim como o câncer e a tuberculose carregam em si uma espécie de condenação à morte, um estereótipo e muitas vezes a sensação de que o doente é culpado, o que faz com que frequentemente esconda a doença – como aconteceria também com a AIDS, a partir da década de 1980.

Relata com vivacidade como conseguiu extrair uma experiência positiva da doença (“Eu sentia como se alguma coisa fantástica estivesse acontecendo, como se tivesse embarcado numa grande aventura – a aventura de estar doente e talvez morrendo, e é algo extraordinário estar disposta a morrer”). Tampouco considera que as pessoas devam se sentir culpadas por estarem doentes – prefere utilizar a palavra responsabilidade.

Critica a arbitrariedade dos estereótipos sexuais (“Os valores associados à juventude e à masculinidade são considerados normas humanas, e todo o resto é tido no mínimo como menos vantajoso ou inferior”) e defende a emancipação feminina, não apenas na igualdade de direitos, mas também na divisão de poderes e estruturas científicas e artísticas, já adiantando uma temática que muito se discute atualmente: não existe uma escrita feminina (“Não vejo razão nenhuma para uma mulher não poder escrever nada que um homem escreve e vice-versa”). Defende inclusive a transexualidade, citando uma das primeiras cirurgias de mudança de sexo realizadas, o famoso caso de Jan Morris (anteriormente James Morris).

Susan também discorre sobre seu ativismo político, refletindo sobre as bases do fascismo, ligado possivelmente a uma repressão sexual e defende os direitos das pessoas que vivem à margem (“Acredito que o mundo devia ser um lugar seguro para as pessoas marginais. (…) Defendo vigorosamente os divergentes. (…) Em vez de nos tornarmos cada vez mais burocráticos, padronizados, opressivos e autoritários, por que não permitimos que mais e mais pessoas sejam livres?”).

Discute longamente sobre a fotografia, uma de suas grandes paixões, sobre o rock e a conjunção da arte contemporânea e tradicional – se diverte, afirmando que se encanta mais com Patti Smith porque leu Nietzsche.

Por fim, Susan reflete sobre sua atividade como leitora (“Ler é minha diversão, minha distração, meu consolo, meu pequeno suicídio. Quando não consigo suportar o mundo, me enrosco a um livro, e é como se uma nave espacial me afastasse de tudo”) e seu processo de escrita, considerado por ela indisciplinado, intenso, obsessivo e, por vezes, um castigo à sua saúde (“Minhas costas doem, meus dedos doem, tenho dores de cabeça”).

A entrevista é um pequeno mimo, um livrinho que nos dá um vislumbre da mulher incrível que foi Susan Sontag, que transitou com brilhantismo por tantos ramos do conhecimento, nos deixando com pensamentos vivamente atuais.