
Por James Green
Um dos sinais do grave declínio de uma democracia é quando perdedores questionam os processos eleitorais e os resultados das votações e, simultaneamente, usam seu poder, enquanto estão no governo, para perseguir seus oponentes políticos.
Foi o caso do governo de Richard Nixon, quando foi presidente dos Estados Unidos entre 1969 e 1974. Paranoico por natureza, o republicano acumulou uma longa lista de inimigos políticos durante sua carreira como congressista, vice-presidente e, posteriormente, presidente. Ele usou o poder para mobilizar o FBI, o Departamento de Justiça, membros do gabinete e outros burocratas-chave em sua administração para executar medidas tortuosas para atacar seus oponentes. Isso incluiu, entre muitas ações ilegais, o envio de agentes cubano-americanos para invadir a sede do Comitê Nacional Democrata no Edifício Watergate para obter vantagens na campanha eleitoral presidencial de 1972.
Após uma resolução bipartidária bem-sucedida a favor do impeachment de Nixon na Câmara dos Representantes, ele renunciou ao cargo antes que o Senado pudesse votar por sua destituição. Seu sucessor na vice-presidência, Gerald Ford, perdoou Nixon por qualquer crime que ele poderia ter cometido em nome da unidade nacional e da conciliação.
Trump agora está fazendo o que Nixon fez. Após dois processos de impeachment malsucedidos, a condenação por 34 acusações criminais por falsificação de registros comerciais e três outros julgamentos contra ele, que foram abortados quando ele foi reeleito presidente, Trump busca vingança. E assim como Nixon, a lista de seus inimigos é longa.

Tal qual no Brasil, o Judiciário dos EUA é um ramo separado e igualitário do governo, supostamente não sujeito à influência do Executivo. Além disso, desde o escândalo Watergate, o Procurador-Geral, embora nomeado pelo presidente e aprovado após audiência no Senado, deve ser independente e livre de política partidária.
No entanto, Trump tem uma desculpa para ignorar essa tradição. Durante as eleições presidenciais de 2016, os republicanos promoveram a noção de um “estado paralelo” (deep state, em inglês), uma suposta rede de burocratas governamentais pró-democratas com uma agenda anti-Trump, supostamente coordenada por Barack Obama. Trump, tão paranoico quanto Nixon (se não mais), imaginou que o FBI e a CIA estavam atrás dele. Seus apoiadores abraçaram a ideia de uma vasta conspiração contra seu presidente. E Trump, um verdadeiro showman talentoso, sente-se muito à vontade desempenhando o papel de vítima e não hesita em anunciar suas intenções.
Quebrando a tradição estabelecida após o escândalo de Watergate de que o presidente não deve interferir nas decisões do Departamento de Justiça, ele usou sua rede social para instar publicamente a Procuradora-Geral Pam Bondi a perseguir agressivamente seus inimigos.
John Bolton foi uma de suas primeiras vítimas. O ex-assessor de segurança nacional de Trump, Bolton rompeu com o presidente e publicou um livro descrevendo suas fraquezas. No mês passado, o FBI invadiu sua casa, vasculhou o local por horas e, em seguida, apreendeu dezenas de caixas de arquivos. Parece que o Departamento de Justiça está se preparando para indiciar Bolton pela posse de documentos confidenciais.
Publicado originalmente na Agência Pública