Tarcísio desiste de projeto de IA para monitorar alunos em SP após reportagem do DCM

Atualizado em 4 de setembro de 2025 às 20:20
SADI, sistema de inteligência artificial do Instituto Anexo, monitorando sala de aula em escola de SP
Foto: Reprodução/YouTube

A Secretaria Estadual da Educação do governo Tarcísio de Freitas (Republicanos) avaliou o uso de um programa de inteligência artificial para monitorar o comportamento de alunos e professores dentro das salas de aula.

O projeto foi testado em 11 escolas da rede estadual, mas acabou descontinuado pela gestão após vir à tona em reportagem do DCM.

Segundo a apuração, o sistema usava câmeras para gravar estudantes e, por meio de IA, identificar sinais de ansiedade e traçar “perfis fortes” de cada aluno. A tecnologia, chamada Sistema de Avaliação de Desempenho Inteligente (SADI), é do Instituto de Tecnologia Anexo Brasil, de Goiás. Em vídeos institucionais, o CEO da empresa, Wister Alves, associava a ferramenta ao preparo dos jovens para o mercado de trabalho.

O governo Tarcísio confirmou que os testes ocorreram entre o fim de 2024 e meados de 2025, supostamente sem custos para o estado. De acordo com a pasta, a adesão das escolas foi voluntária e contou com anuência de professores. O DCM, porém, revelou que não havia garantias sobre como os dados coletados seriam tratados e que faltavam informações básicas sobre os critérios usados pelo sistema.

Após a denúncia, parlamentares do PSol e do PT ingressaram com representações no Ministério Público. Para os deputados Carlos Giannazi e Luciene Cavalcante, além do vereador Celso Giannazi (todos do PSol), o projeto piloto foi conduzido “na informalidade” e afronta a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) e o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). A deputada Professora Bebel (PT), que preside a Apeoesp, também acionou o MPSP.

O órgão instaurou procedimento para investigar a legalidade do programa.

De acordo com o edital disponível no site da empresa, “o SADI aplica inteligência artificial para oferecer monitoramento comportamental avançado, análise de dados e feedback em tempo real”, através de uma “leitura biopsicossocial” sobre cada aluno. Até o fim deste ano, o grupo planejava fornecer o programa para toda a rede pública de ensino e vendê-lo à Secretaria da Educação do Estado de São Paulo.

A denúncia — que o DCM trouxe com exclusividade — foi feita por um ex-auxiliar de uma das escolas participantes da iniciativa, a E.E. Deputado Augusto do Amaral, localizada no bairro do Jaguaré, Zona Oeste da capital paulista.

A reportagem procurou a SEDUC-SP, que afirmou tratar-se de um “projeto piloto, laboratorial, para analisar como os alunos reagem ao uso dessa plataforma”. A pasta preferiu não informar quais são os outros 10 colégios, mas ressaltou que nada foi formalizado contratualmente ainda e que a tecnologia “conta com a anuência dos professores, dos pais e da gestão escolar”.

A supervisão não se limitava aos alunos: os docentes também seriam cobrados com base nos resultados fornecidos pela IA. Segundo a fonte, a diretora repreendeu uma professora cujo “índice de engajamento” estava em 28%, exigindo que ela “corresse atrás para melhorar”.

DCM visitou a escola citada e obteve a confirmação, por parte da direção, de que as câmeras já estão instaladas nas salas de aula e que os pais dos alunos assinaram um contrato para permitir o uso da imagem dos filhos. A administração afirmou também que a escola foi procurada para a instalação do equipamento por membros da Diretoria de Ensino da Região Centro-Oeste (DECTO), vinculada à SEDUC-SP, e não pelo Instituto Anexo, que travaria contato direto apenas com a cúpula da pasta estadual.

 

Davi Nogueira
Davi tem 25 anos, é editor e repórter do DCM, pesquisador do Datafolha e bacharel em sociologia pela FESPSP, além de guitarrista nas horas vagas.