Tarcísio se transforma em patriota americano e ajudante de Trump. Por Moisés Mendes

Atualizado em 10 de julho de 2025 às 5:49
O governador de SP, Tarcísio de Freitas (Republicanos) usando boné com slogan trumpista. Reprodução

Os ataques de Donald Trump e Tarcísio de Freitas ao Supremo e ao Brasil todo nos impulsionam de novo para a tentação da lacração. Com uma boa lacrada na testa dos agressores, nosso desconforto é em parte aplacado e podemos dar a entender que cumprimos nossa tarefa.

Mas não basta. Não é suficiente dizer, para quem já sabe, que Trump é o grande líder neofascista mundial e que Tarcísio pega carona nas agressões ao Brasil, para assim se habilitar como herdeiro preferencial do bolsonarismo. Faz bem lacrar em resposta aos ataques e, agora, à taxação de mais 50% sobre os produtos brasileiros, mas pode ser apenas lacração.

Os incômodos que nos afligem serão apenas atenuados pelo desejo de devolver ofensas. Mas o desconforto continua: as respostas às afrontas de Trump e Tarcísio terão algum efeito político relevante?

A tentativa de intimidar Lula e o sistema de Justiça será percebida pela maioria dos brasileiros como ofensa grave e intromissão nas instituições? A decisão de Tarcísio de repetir o ataque de Trump será visto apenas como molecagem?

Só isso? Um atrevimento? Coisa de um extremista, mas bem moderado? Além dos brasileiros que já têm opinião formada sobre tudo, quem mais pode se sentir afrontado por Trump e por Tarcísio de Freitas?

Alguém com simpatia pela extrema direita pode se sentir atingido como cidadão brasileiro? Quem se sente ofendido, considerando-se que o sentimento de nacionalismo foi degradado pelo bolsonarismo no bordão que fala de Deus, pátria, família e liberdade?

O efeito dos ataques pode ser o mesmo provocado pela imagem de Tarcísio com o boné trumpista, pregando que a América seja grande de novo. Quase nada.

Não são muitos, do centro da política ao fascismo moderado, que conseguem ligar o boné na cabeça de Tarcísio a uma atitude antipatriótica. O bolsonarista acha que ser nacionalista é ser trumpista. E não tente argumentar.

Carregar a bandeira nacional nas costas e vestir a camiseta de Neymar significam o mesmo que cantar o hino para um pneu, ou pelo menos aceitar como razoável, até por quem não é bolsonarista mas é de direita, que alguém cante para um pneu.

Se fosse possível fazer um retrato hoje dos danos provocados pelas reações a Trump e Tarcísio, pelos ataques ao Brasil e ao Supremo, e a Hugo Motta e Davi Alcolumbre, pela guerra do nós contra eles, a imagem seria a mais previsível.

O presidente do Senado, Davi Alcolumbre, com o presidente da Câmara, Hugo Motta. Foto: Brenno Carvalho/Agência O Globo

Motta e Alcolumbre apareceriam esfarrapados, quase caindo aos pedaços, e Trump e Tarcísio desfrutando da confusão sobre o que posse ser patriotismo e defesa de interesses nacionais.

Lacraram na testa de Motta e Alcolumbre que eles são a expressão do Congresso da mamata contra os pobres. Mas será que Tarcísio, caroneiro de Trump, sofre os mesmos danos de uma lacração de elaboração mais complexa?

É provável até que Tarcísio tenha obtido mais vantagens, fidelizando a base bolsonarista com a agressão ao STF, do que tenha perdido apoios fora da base social do bolsonarismo.

Tarcísio pode até se arriscar a tirar do armário e recolocar o boné vermelho de Trump, enroscar-se numa bandeira americana e cantar o hino deles com a mão no peito. Pode ganhar mais do que perder.

Há muito tempo, patriotismo deixou de ser um sentimento para a direita, para se transformar numa mercadoria que cada um compra, vende e consome como bem entende.

Moisés Mendes
Moisés Mendes é jornalista em Porto Alegre, autor de “Todos querem ser Mujica” (Editora Diadorim) - https://www.blogdomoisesmendes.com.br/