Taxação de super-ricos afeta 0,001% dos brasileiros e financiaria cerca de 30% do Minha Casa Minha Vida

Atualizado em 29 de agosto de 2023 às 22:51
Imóveis do programa “Minha Casa Minha Vida” em Santa Cruz, no Rio de Janeiro. Fernando Frazão/Agência Brasil

Por Vinicius Konchinski

A mudança na cobrança de impostos sobre os chamados fundos exclusivos deve afetar cerca de 2,5 mil brasileiros super-ricos, segundo o governo federal –isto é, 0,001% da população nacional. A arrecadação prevista com a medida, porém, pode gerar caixa suficiente para custear cerca de um terço do programa Minha Casa Minha Vida.

De acordo com o governo, a taxação dos fundos exclusivos deve render à União R$ 24 bilhões de 2023 a 2026. No ano que vem, a arrecadação poderia superar os R$ 13 bilhões. Neste ano, assim como em 2025 e 2026, ela chegaria a R$ 4 bilhões por período.

O programa Minha Casa Minha Vida, que foi relançado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), conta com R$ 10,5 bilhões no orçamento para 2023. Até 2026, o programa quer construir 2 milhões de moradias.

A tributação dos fundos exclusivos foi definida em medida provisória assinada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva na segunda-feira (28). Segundo Alexandre Tortato, advogado e mestre em Direito Tributário, ela iguala a taxação de fundos de super-ricos com a de fundos de investimentos normais, disponíveis a cidadãos em bancos e corretoras.

Investidores de fundos normais pagam entre 15% e 20% em impostos sobre seus rendimentos com as aplicações duas vezes ao ano no sistema chamado de “come-cotas”. Já os investidores em fundos exclusivos só pagavam tributos quando resgatavam aplicações. Isso, até a edição da MP.

“O que a gente está fazendo agora é igualar a tributação desses dois modelos, o que parece correto e justo”, resumiu Tortato. “Porque a tributação de quem tem R$ 10 mil num fundo aberto, normal, não vai ser igual à de quem tem R$ 30 milhões num fundo exclusivo?”, questiona.

Segundo o governo, fundos exclusivos têm patrimônio conjunto de R$ 756,8 bilhões, o que equivale a 12,3% das aplicações do Brasil. Para ter acesso a um fundo exclusivo, um investidor tem que ter ao menos R$ 10 milhões disponíveis para aplicação. Precisa, aliás, estar disposto a pagar até R$ 150 mil por ano com as taxas de administração.

“São fundos de família ou individuais e por isso são exclusivos. Especialistas da área financeira dizem que a média do saldo deles é de R$ 20 milhões ou R$ 30 milhões até para fazer existir saldo para arcar com as despesas de órgão reguladores”, acrescentou Tortato.

Offshores

Lula também assinou na segunda um projeto de lei para para taxação de rendimentos de brasileiros obtidos com investimentos fora do país por meio de empresas offshore, geralmente abertas em paraísos fiscais. Tortato reforçou que, neste caso, também houve uma adequação da tributação.

Os donos de offshores já precisavam pagar impostos sobre os rendimentos de seus investimentos fora do país quando repatriavam seu patrimônio. Agora, terão de recolher impostos sobre os ganhos.

O advogado ressaltou que o investimento em offshores é legal no país, desde que declarado à Receita Federal. Em 2021, por exemplo, mais de 800 mil brasileiros tinham offshores ou contas no exterior declarados à Receita Federal. Entre eles estavam o ex-ministro da Economia, Paulo Guedes, e o atual presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto.

Guedes, aliás, foi chamado ao Congresso Nacional para explicar os investimentos que mantinha nas Ilhas Virgens Britânicas, um paraíso fiscal. Na época, ele afirmou que mantinha uma offshore desde 2014 no local para evitar impostos.

Segundo o governo, mais de R$ 1 trilhão investidos fora do país pertencem a brasileiros. A cobrança de impostos sobre o rendimento desse valor pode gerar R$ 7 bilhões por ano. O valor é quase igual aos das transferências que o governo faz ao setor privado para estimular setores da economia.

A tributação varia de 0% a 22,5% dependendo da renda no exterior.

Presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Foto: Ricardo Stuckert

Lula comenta

Nesta terça-feira (29), o presidente Lula disse que as mudanças na cobrança de impostos são compromissos assumidos em sua campanha eleitoral e visam o bem-estar geral da população brasileira. “É importante que as pessoas compreendam que o Estado de bem-estar social, que existe na Europa, em outros países, é feito porque há uma contribuição equânime, mais justa do pagamento do Imposto de Renda. Não é igual aqui no Brasil em que quem paga mais é o mais pobre, se a gente for comparar proporcionalmente, o mais pobre paga mais Imposto de Renda do que o dono do banco”, disse ele.

“Nós fizemos um projeto de lei para taxar as pessoas mais ricas e que têm offshore, sobretudo no exterior. Ou seja, essas pessoas ganham muito dinheiro e não pagam nada de Imposto de Renda”, afirmou o presidente, em live transmitida em redes sociais.

Tanto a MP sobre fundos exclusivos quanto o projeto de lei sobre offshores precisarão ser aprovados pela Congresso Nacional para que tornem-se lei. A tributação das offshores, aliás, foi encaminhada em forma de MP, mas perdeu validade. Voltou agora em forma de projeto de lei.

Lula disse que espera que os parlamentares, desta vez, “em vez de proteger os mais ricos, protejam os mais pobres”.

Publicado originalmente em “Brasil de Fato”
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