Teich não quis virar a versão bolsonarista de Harry Shibata, o médico legista da ditadura

Atualizado em 15 de maio de 2020 às 16:21
Nelson Teich

Nelson Teich pediu demissão nesta sexta-feira após um processo de fritura que incluiu seu linchamento pelas milícias virtuais.

Foi “o dia mais triste” da sua vida, definiu. “Não vou manchar a minha história por causa da cloroquina”.

Bolsonaro defende o medicamento de maneira doentia, sem qualquer base científica.

Há interesses econômicos — a Apsen, empresa farmacêutica que produz o medicamento, é de um empresário bolsonarista chamado Renato Spallicci.

Há também uma necessidade doentia de tentar encontrar uma “cura” e o presidente da República ser o milagreiro.

Bolsonaro pôs a faca no pescoço de Teich.

“Votaram em mim para eu decidir. Acredito no trabalho dele, mas essa questão eu vou resolver”, disse o psicopata numa live com empresários.

Teich havia escrito no Twitter que “a cloroquina é um medicamento com efeitos colaterais. Então, qualquer prescrição deve ser feita com base em avaliação médica”.

“O paciente deve entender os riscos e assinar o ‘Termo de Consentimento’ antes de iniciar o uso.”

Teich tem todos os problemas do mundo. Um deles é ter topado entrar nesse lupanar. Outro é a dificuldade de comunicação.

Era recalcitrante não conseguiu traçar algo remotamente parecido com um plano.

Saiu, no entanto, por cima e de maneira honrada. Ele não conspurcou sua trajetória na medicina por causa de um genocida obcecado.

Bolsonaro encontrará um pau mandado melhor, assim como a ditadura achou Harry Shibata.

Shibata foi legista e diretor do Instituto Médico Legal de São Paulo entre 1976 e 1983.

Foi acusado de instruir os torturadores sobre como não deixar marcas nas vítimas e de dar suporte à repressão.

Atestou que a causa mortis do operário Manuel Fiel Filho fora suicídio e, em 1975, assinou o laudo fraudulento sobre Vladimir Herzog.

Declarou que Herzog se matara sem ter visto o corpo remetido ao IML pelo Exército, em cujas dependências ele fora assassinado ao longo de um suplício.

Nos anos 70, foi condecorado pelo regime com a Medalha do Pacificador.

Teve o registro profissional cassado em 1980, recuperando-o posteriormente na Justiça.

Teich não quis fazer o serviço sujo. Em meio a essa tragédia, não é pouca coisa.

Harry Shibata, o legista da ditadura