Temer e a medicina enquanto retrato da sociedade. Por Gustavo Conde

Atualizado em 15 de dezembro de 2017 às 12:58
Eles

POR GUSTAVO CONDE

Enquanto Temer vai sendo atendido pelos melhores médicos do país, os brasileiros vão morrendo nas filas dos hospitais. Não, você não está sonhando, eu acabei de dizer isso mesmo. Era isso que muita gente dizia quando Lula ou Dilma venciam respectivamente seus cânceres, internados em hospitais de ponta com a prerrogativa de chefes de estado ou ex-chefes de estado.

A minha reflexão, no entanto, não é exatamente de ordem dos privilégios obtidos por certos nichos sociais. A minha reflexão tem a ver com competência profissional, com sucateamento de profissões e, fatalmente, com o caráter de cada um (e a falta dele).

Muitas pessoas próximas têm “ido a óbito” na mesa de cirurgia depois de passarem por intervenções bastante simples. Angioplastia e diverticulite, por exemplo – acreditem – têm levado pessoas a morrer. A frequência com que isso acontece no Brasil é aterrorizadora. Por isso, o povo brasileiro tem medo de “ir ao médico”: ele sabe o que o espera.

É evidente que no universo de uma profissão tão complexa – o profissional de medicina – há aqueles dignos do nome que sabem, inclusive, conversar com o paciente de maneira não prepotente – como sói acontecer na maioria dos casos.

Dada a leitura provavelmente prejudicada – fenômeno que anda junto com a imperícia – de alguns desses profissionais, este texto talvez seja lido como uma crítica frontal e generalizante. Repito, para estes médicos leitores: há exceções e espero que vocês estejam entre elas.

Fato é que a medicina brasileira, a despeito de ser tecnicamente boa, está estruturalmente e instrumentalmente sucateada, levando a situações extremas de descuido e imperícia. Há casos em que se troca o anestésico por distração, ou mesmo se amputa o membro errado por extravio de prontuário. Os “erros médicos” na mesa de cirurgia caracterizam ainda uma outra dimensão do problema.

Minha mãe morreu na mesa de operação. Eu era jovem, tinha 15 anos. Era uma cirurgia de nível intermediário de complexidade, jamais para tamanho risco e desfecho fatal. A desculpa do médico, para mim, foi uma confissão de sua própria incompetência. Família abalada, quem vai contestar?

Essa “zona de conforto emocional” – de que as famílias nada podem fazer – é mais um problema que isenta o profissional sem ética e o estimula a prosseguir na sua precariedade técnica, seja instrumental, seja conjuntural.

Isso me faz lembrar da revolta dos médicos brasileiros contra o programa Mais Médicos. Criticavam a vinda dos melhores médicos do mundo, os cubanos, obviamente por se sentirem ameaçados dentro de suas práticas, por assim dizer, “brasileiras”. Hoje, estão todos precarizados, ganhado menos e gastando mais.

Vêm à lembrança também certas características que constituem historicamente um certo médico-personagem da medicina brasileira: prepotência, superficialidade e um traço absolutamente insuportável: a fala eclesial para compensar a própria desinformação que oferece e a fragilidade leiga do paciente. Falam manso, pausadamente, com doçura, como se fossem filiados a algum tipo de congregação sádica de louvor aos opostos (fala mansa e bisturi bravo). É a encarnação do padre que dava a extrema-unção nos hospitais britânicos e alemães do século 19.

Qual seja a capacidade deste profissional tão importante de suportar uma crítica sincera e honesta – mas sem favor e contemporização – vindo do seio da sociedade é algo também a se considerar. Médicos, em geral, não gostam de críticas. São corporativistas.

Não é à toa que a maioria esmagadora dos recém formados em medicina opta por montar seus consultórios ou trabalhar nos grandes centros urbanos. O cidadão que mora no interior do Pará que morra ou procure um curandeiro.

É esse compromisso ético que enlouqueceu as escolas de medicina, alunos e professores, em 2013, quando da criação do Mais Médicos. Foi um tapa na cara desta lógica mesquinha e egoísta que visar o lucro mesmo habitando uma profissão nobre e socialmente estratégica.

Muitos médicos deveriam botar aquele nariz de palhaço agora. Deveriam botar o nariz de palhaço nos seus pacientes, durante a consulta. Deveriam escrever seus cartazes com português precário e desfilar pelo Hospital Sírio Libanês pedindo que Temer vá se tratar no SUS.

Vou repetir porque sei que este texto vai ferir sensibilidades: se você for um médico e se a carapuça não serviu, não se sinta atingido. Não tente defender um profissional de péssima qualidade que você sabe que existe e que, não raro, puxa o seu tapete (porque não tem competência para superá-lo na técnica).

Este texto é endereçado a toda a sociedade, mas via machucar um pouquinho mais os maus profissionais, o estado de catatonia daqueles que não lutam por melhores condições de prática de suas profissões.

Eu luto, como professor, para dar uma aula melhor do que aquela que a própria realidade espera. Eu luto, como músico, para oferecer um repertório diferente do que aquela “ração musical” habitualmente oferecida circuito de bares afora. Eu luto, como humorista do texto, para produzir piadas que não sejam racistas, nem classistas, nem misóginas e nem “velhas”.

Os médicos brasileiros não podem aceitar que seus pacientes continuem morrendo em intervenções básicas da medicina. Isso é humilhante para eles e desumano para todos.