Quando conspirava para derrubar a presidente Dilma Rousseff, em agosto de 2015, Michel Temer disse que o País precisava de alguém que o reunificasse:
“É preciso que alguém tenha capacidade de reunificar a todos, de reunir a todos, de fazer esse apelo. Eu estou tomando essa liberdade de fazer esse pedido, porque, caso contrário, nós podemos entrar numa crise desagradável para o país.”
Hoje, quase dois anos depois de fazer esse pronunciamento, durante uma entrevista na saída de uma reunião no Congresso Nacional, Temer reafirmou sua disposição de ficar à frente do governo, apesar dos apelos para que renuncie:
“O Brasil não sairá dos trilhos, eu continuarei à frente o governo”
Temer nunca demonstrou capacidade de reunificar os brasileiros e ele se recusa a entregar a única coisa que poderia ajudar a pacificar o País – sua renúncia.
Faz isso porque ainda tem seus trunfos e aliados.
Toda a fala dele de hoje teve como argumento principal a manchete da Folha de S. Paulo, segundo a qual a fita entregue pelo empresário Joesley Batista foi editada.
Pode ser, pode não ser.
Mas não é preciso muito esforço para concluir que o texto do jornal foi exagerado na defesa de Michel Temer.
O perito Ricardo Caires dos Santos fez o que pode ser considerado, no máximo, parecer – uma opinião técnica, sem compromisso com a verdade.
Mas o jornal apresenta esse trabalho como laudo.
E há diferença substancial entre laudo e parecer.
O laudo é um estudo minucioso, em geral demorado, e Caires dos Santos não teria condição de produzi-lo sem examinar, também, o aparelho em que o áudio foi captado.
Atente-se para as credenciais de Caires do Santos apresentadas pela Folha de S. Paulo: perito do Tribunal de Justiça de São Paulo.
Não existe perito do Tribunal de Justiça de São Paulo.
Não existe essa carreira no Judiciário.
O que existe é perito particular, nomeado pelo juiz, e nesse caso são muitos, inclusive Caires dos Santos.
Embaralhar uma investigação fazendo uso de pareceres técnicos é um recurso de muitos criminalistas.
O promotor Edilson Mougenot Bonfim, que atuou no 1º Tribunal do Júri em São Paulo durante muitos anos, conta em seu livro “No Tribunal do Júri” como desmascarou essa farsa, no julgamento de uma mulher acusada de matar o marido.
Um caso rumoroso à época, conhecido como Viúva Negra.
Um perito contratado por um criminalista deu parecer que justificava a presença de elementos de pólvora na mão da cliente com fotos dela enxugando lágrimas com um lenço.
A conclusão do perito é que o lenço era do cunhado, que havia manuseado uma bateria de automóvel no dia e contaminado aquele pedaço de pano com componentes que poderiam ser encontrados também na bala de um revolver.
Daí porque, no exame residuográfico, a perícia oficial (esta existe, como departamento da Polícia Civil) concluiu que ela havia feito disparo com revólver.
O parecer continua citações em francês e apresentava gráficos, era bonito na aparência.
O promotor chamou o perito para depor e começou a fazer perguntas em francês, idioma que o perito não conhecia.
— O senhor não sabe francês, mas faz um parecer, que o senhor chama de laudo, porque quer impressionar o júri e o juiz, para confundi-los e tirar a atenção do essencial: esta mulher matou o marido.
O promotor conseguiu a condenação da acusada – que, por sinal, fugiu depois, quando pode recorrer em liberdade.
Este caso, conhecido entre os criminalistas, trouxe à tona a chamada indústria dos pareceres.
Peritos famosos, quando contratados por particulares – exemplo da Folha de S. Paulo ou da defesa de um acusado de crime –, mentem à vontade, sem risco de serem responsabilizados criminalmente.
Parecer é opinião, e opinião cada um tem a sua.
Já o laudo, quando parte integrante da investigação, deve ser verdadeiro, sob pena do crime de falsa perícia.
Daí porque laudo, em geral, não é feito em dois dias, sem todos os elementos de análise.
A Folha de S. Paulo embarcou no Titanic de Michel Temer por razões que não se conhece – pode ser que queira apenas se descolar da Globo, difícil, mas é possível.
Nessa embarcação, fazendo muito barulho, se encontra Reinaldo Azevedo, e pode apostar que, no Supremo Tribunal Federal, se o caso chegar lá, Gilmar Mendes também fará muito barulho – talvez faça mesmo que o caso não chegue lá.
E por quê?
Porque ambos são tucanos, e o PSDB tem e terá muita dificuldade de abandonar Temer.
Afinal, sem o PSDB, o governo Temer não existiria.
O golpe é deles e talvez seja mais vantajoso ao PSDB do que a Temer, porque o golpe devolveu ao partido o poder que ele perdeu para o PT em quatro eleições.
Fernando Henrique Cardoso já recuou da sugestão que fez a Temer para renunciar.
João Doria, o prefeito de São Paulo, pressionado a se posicionar diante da crise, diz que é preciso investigar, que o momento é sério, mas não pronuncia o nome de Temer nem a palavra renúncia.
Eu vi dois vídeos com a manifestação de Doria sobre a crise política, disponíveis na própria página dele no youtube – João Doria News.
O homem que se diz gestor, um não político, aprendeu rápido o ofício – se é que não sabia – e se mostra mais liso que bagre ensaboado.
Na homenagem que Doria recebeu nos Estados Unidos há três dias, estava lá, como convidado de honra e provavelmente representando o chefe, o homem que transporta as malas de dinheiro de Temer.
O golpe fez de Temer e do PSDB irmãos siameses.
Separá-los será difícil.
E, graças aos tucanos, Temer ainda respira e pode dizer, de boca cheia, que continuará à frente do governo brasileiro, para evitar que ele saia dos trilhos.
Temer chegou à presidência com o discurso de que pacificaria o Brasil, mas o que ele e o PSDB fazem hoje é lutar contra o País, na defesa de um projeto particular de poder.