Tentativa do MPF de pressionar Supremo com denúncia sai pela culatra

Atualizado em 3 de maio de 2017 às 21:42

Publicado no Conjur.

Saiu pela culatra a tentativa do Ministério Público Federal de pressionar os ministros do Supremo Tribunal Federal com uma denúncia contra José Dirceu no dia em que seu Habeas Corpus seria julgado na corte. A estratégia usada na operação “lava jato” despertou críticas do ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal, e foi vista com preocupação por advogados ouvidos pela ConJur.

A tentativa não teve resultado prático — a 2ª Turma do STF concedeu liberdade a Dirceu, nesta terça-feira (2/5) —, mas a conduta do MPF foi vista com maus olhos no mundo jurídico. Durante o julgamento, o ministro Gilmar Mendes comparou a prática a “quase brincadeira juvenil”. Questionado por jornalistas antes da sessão, ele já havia afirmado que, “se o Supremo aceitar pressões, deixa de ser Supremo”.

O procurador da República Deltan Dallagnol reconheceu, em entrevista à imprensa, que a mesma data não se tratava de mera coincidência: “É uma acusação que amadureceu, estava para ser oferecida e em razão da análise, pelo Supremo Tribunal Federal, de um Habeas Corpus referente a José Dirceu houve a precipitação com o objetivo de trazer à tona informações que são relevantes, que são pertinentes e que podem ser, ou não, consideradas”, afirmou ele durante entrevista, conforme relato dos jornais Zero Hora e Folha de S.Paulo.

Para o advogado Luís Henrique Machado, a denúncia assinada nesta terça apresenta “forte viés político com o condão de pressionar o Supremo”, depois que o tribunal revogou prisões preventivas no fim de abril. Machado defende o senador Renan Calheiros (PMDB-AL) em processos da “lava jato” que tramitam na corte.

Sem discutir o caso concreto, o criminalista Fábio Tofic Simantob avalia, em tese, que “beira a prevaricação qualquer tentativa de extrapolar a discussão fora dos autos com o fim de influenciar o julgamento do Supremo, usando o poder de autoridade, oferecendo denúncia e convocando coletiva de imprensa”.

Tofic, que atuou na “lava jato” na defesa do marqueteiro João Santana e de executivos da Engevix, considera que esse tipo de medida pode ser considerado crime mesmo sem entrar na discussão do abuso de autoridade. Conforme o artigo 319 do Código de Penal, prevarica quem pratica ato de ofício contra disposição expressa em lei para satisfazer interesse ou sentimento pessoal.

Augusto Figueiredo Basto, defensor do doleiro Alberto Youssef e de outros envolvidos, afirma que a denúncia deve ser vista como “hipótese acusatória” pois, por si só, é insuficiente para fundamentar ou manter a prisão preventiva de quaisquer pessoas. Ele afirma que é tarefa do MPF demonstrar dentro do processo elementos idôneos e concretos enquadrados no artigo 312 do Código de Processo Penal.

O advogado Marlus Arns diz que a opinião do MPF em entrevistas coletivas não está entre os critérios do dispositivo para deixar alguém preso. “Como qualquer pessoa que estudou Direito, acredito que a pressão fora dos autos, seja pelo Ministério Público, seja pela defesa, não pode ser considerada por um juiz nem pelo Supremo Tribunal Federal.”

Ainda segundo ele, o entendimento da 2ª Turma é relevante porque reforça decisões contrárias a prisões preventivas sem fundamento — em 25 de abril, o colegiado já havia liberado João Cláudio Genu, representando por Arns, e José Carlos Bumlai.

Comunicação suspeita
Na denúncia apresentada nesta terça, Dirceu foi acusado de ter participado de esquema de fraudes na Petrobras entre 2011 e 2014. A empreiteira Engevix, segundo o MPF, repassou parte da propina pagando os serviços de uma empresa de assessoria de comunicação contratada pelo ex-ministro para organizar entrevistas e acompanhar como o nome dele era tratado pela imprensa.

O contrato foi firmado com a Entrelinhas Comunicação. O MPF diz que não acusou os responsáveis de nenhuma empresa que prestava serviços à consultoria de José Dirceu porque “a elucidação dos fatos a eles concernentes carece de aprofundação”.

Os procuradores da República não solicitaram, dessa vez, a prisão preventiva do ex-chefe da Casa Civil. Só pediram que o juiz federal Sergio Fernando Moro enviasse ao STF uma espécie de calendário relatando que Dirceu praticou crimes enquanto era julgado na Ação Penal 470, o processo do mensalão.

José Dirceu já foi condenado em outros dois processos da “lava jato”. As penas somadas chegam a 32 anos e 1 mês de prisão.