Tese do ‘conflito de competência’ para barrar libertação de Lula não se sustenta, afirma professora

Atualizado em 9 de julho de 2018 às 10:59

Publicado originalmente na Rede Brasil Atual (RBA)

POR GLAUCO FARIA

‘Temos visto um Judiciário ativista, extremamente ativista, que tem se acovardado diante de uma opinião pública ou publicada’. Foto: GERALDO MAGELA/AGÊNCIA SENADO

Para a professora de Direito Penal e Criminologia da Faculdade de Direito da Universidade de Brasília (UnB), Beatriz Vargas Ramos, todo o episódio envolvendo a decisão do desembargador Rogério Favreto, que determinou a soltura do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, decisão contestada primeiro pelo juiz Sérgio Moro, e depois suspensa pelo desembargador Carlos Eduardo Thompson Flores é algo que “saiu completamente da normalidade em situações semelhantes”.

“Temos visto um Judiciário ativista, extremamente ativista, que tem se acovardado diante de uma opinião pública ou publicada e tem se distanciado do padrão do procedimento do rito”, avalia. “O procedimento jurídico é intermediado por regras e nesse caso a regra é claríssima. O juiz pode ter simpatias políticas, isso não necessariamente vai fazer que ele se oriente ou não por elas, e isso pode ser constatado na motivação da decisão. E lendo a motivação do plantonista, ela não é absurda, tem um lastro em uma compreensão do problema face ao Direito perfeitamente legítima e refletida no próprio Supremo.”

A professora também destaca a conduta do juiz Sérgio Moro que não teria mais jurisdição no caso e mesmo assim interveio. “Se houvesse da parte do Ministério Público Federal um recurso contra a liminar, jamais cairia na mão do Moro, o que poderia acontecer era, por via de um recurso, a decisão ser novamente apreciada pelo próprio TRF 4, por meio de um recurso regimental, para analisar a decisão liminar”, aponta.

Confira abaixo trechos da entrevista:

Fora da normalidade

Não conheço nada no mesmo modelo, saiu completamente da normalidade em situações semelhantes. Primeiro, é indiscutível a competência do plantonista desembargador, que decide nesta condição, com cobertura legal e regimental. Certo ou errado, não vou entrar no mérito da decisão em si, a competência é inegável. Isso por si traz a primeira perplexidade.

Um juiz de primeiro grau, no caso Sérgio Moro, sem nenhuma jurisdição no caso, que terminou no momento em que deu sua sentença, pega a caneta e chama esse texto de ‘decisão’. É um texto que não tem forma nem figura jurídica porque não é uma decisão, pede o esclarecimento sobre como proceder. Isso é extremamente chocante porque ele não é uma pessoa que tenha que proceder dessa ou daquela forma porque não tem mais jurisdição.

Se o desembargador defere uma liminar em habeas corpus, quem tem que proceder é a Polícia Federal para o cumprimento dessa ordem. Se houvesse da parte do Ministério Público Federal um recurso contra a liminar, jamais cairia na mão do Moro, o que poderia acontecer era, por via de um recurso, a decisão ser novamente apreciada pelo próprio TRF 4, por meio de um recurso regimental, para analisar a decisão liminar.

O “conflito de competência”

Desembargadores avocam o processo para tirar das mãos do plantonista. Não me consta que isso tenha acontecido antes. O plantonista ser derrubado da sua competência passa uma ideia de haver um ativismo sob o pretexto de que existe um conflito de competência. O (desembargador João Pedro) Gebran, por sua vez relator, atualmente nem relator é mais. Como o Moro, a 8º turma esgotou sua competência, não está mais nas mãos dele. Não estou convencida, com toda honestidade, estou fazendo um esforço para compreender, em respeito ao Judiciário, qual a procedência do argumento jurídico usado por Thompson Flores e não consigo. Tenho me esforçado para ver isso.

Judiciário ativista

É absolutamente lamentável esse esforço de desacreditar o Favreto como acho que qualquer esforço de desacreditar um juiz por essa única linha, sem olhar para a decisão em si, atenta contra o Judiciário como um todo. Isso vai se voltar contra o Judiciário. Temos visto um Judiciário ativista, extremamente ativista, que tem se acovardado diante de uma opinião pública ou publicada e tem se distanciado do padrão do procedimento do rito.

O procedimento jurídico é intermediado por regras e nesse caso a regra é claríssima. O juiz pode ter simpatias políticas, isso não necessariamente vai fazer que ele se oriente ou não por elas, e isso pode ser constatado na motivação da decisão. E lendo a motivação do plantonista, ela não é absurda, tem um lastro em uma compreensão do problema face ao Direito perfeitamente legítima e refletida no próprio Supremo. A questão da execução provisória de uma condenação, ainda que venha a acontecer, não é automática, e a gente sabe que no campo do Direito igualmente se legitimam as decisões que vão em um sentido e em outro. Se a decisão do Favreto fosse absurda, até admito que pudesse ter se orientado pelas suas simpatias ideológicas, mas ela tão respeitável quanto a decisão do Supremo de mandar prender.

Tentativa de execrar Favreto

Essa execração pública é simplista, apaixonada, não ajuda em nada agora e o Judiciário está dando um tiro no pé quando desconstrói isso. Se a decisão do Favreto for cair, que caia pelo procedimento legal, e não por meio dessa avocação de competência. O Moro deu o ‘start’, e o pessoal foi lá apagar o incêndio.