Testemunha-chave do caso do sítio de Atibaia diz que teve depoimento distorcido pela PF. Por Joaquim de Carvalho

Atualizado em 16 de setembro de 2018 às 7:41
O sítio de Atibaia, em que as famílias de Jacó Bittar e Lula conviviam

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Um das evidências apontadas pelo Ministério Público Federal de que o sítio de Atibaia pertence a Lula é o depoimento de Celso Silva Vieira Prado à Polícia Federal em 4 de março de 2016, dia da condução coercitiva de Lula.

Celso, descrito como administrador das propriedades da família Bittar, teria dito que desconhecia o sítio e que não era frequentado por Jacó Bittar.

Segundo ele, localizado pelo DCM, as informações não são verdadeiras. Ele não é administrador dos “bens” nem disse que Jacó Bittar não frequentava a propriedade. Também negou que não soubesse da existência do sítio.

“Como é que eu não sabia? A pedido do Fernando, eu arrumei três mudas de pimenta cumari para ele plantar nesse sítio. Sabia sim, e o Jacó não saía de lá”, disse.

Celso assinou o depoimento e nunca mais foi ouvido. Há alguns meses, ia prestar depoimento por videoconferência em Ourinhos, na região de Manduri, onde reside. Mas a defesa de Fernando Bittar desistiu de ouvi-lo.

Segundo Celso, a desistência aconteceu porque, na data do depoimento, estava em Conceição da Aparecida, em Minas Gerais, cuidando da mãe, muito doente, e que veio a falecer.

O próprio Celso está em tratamento contra um câncer no nariz e, por isso, se afastou do trabalho. Está recebendo pensão do INSS, depois de mais de 20 anos trabalhando para a família de Jacó Bittar.

Mas ele não é, como consta de seu depoimento assinado pelo delegado Luciano Benin, administrador dos bens da família Bittar.

“A família nem tem tantos bens assim que precise de administrador. Tem esse sítio de trinta alqueires, e o Fernando tinha mais seis alqueires que era do sogro dele”, contou.

Celso Prado reside em Manduri, no interior do Estado, cidade em que nasceu Jacó Bittar. Ele é de Minas Gerais, foi criado na roça e trabalhou para Jacó Bittar em Campinas, quando este era prefeito.

Depois que Jacó deixou a prefeitura, em 1993, Celso foi para Manduri, a pedido de do patrão, para cuidar de um sítio.

“Já tiramos leite e, depois, tivemos uma plantação de bucha por metro”, afirmou. Atualmente, a propriedade tem um caseiro, e a maior parte foi arrendada para o plantio de eucalipto, uma cultura muito comum na região.

No dia da condução coercitiva de Lula, 4 de março de 2016, a Polícia Federal, cumprindo ordens de Sergio Moro, fez uma megaoperação, com equipes espalhadas em São Bernardo, São Paulo, Atibaia e Manduri.

Celso Prado estava na cidade de Manduri e, quando foi informado de que havia policiais federais no sítio, deixou casa logo cedo e foi para lá.

Quando chegou, constatou que os policiais, na presença do caseiro, já tinham apreendido notas que estavam na sede.

“Eles me pediram documentos e fizeram uma pergunta: se eu conhecia o sítio de Atibaia, eu disse que não. Depois me mandaram o papel para eu assinar. Eu assinei na confiança”, disse.

Celso Prado, como informa o próprio depoimento, tem primeiro grau completo.

É um homem simples, que, além de trabalhar para Jacó, se tornou seu amigo. Mas nunca cuidou dele, como informa o depoimento.

“Eu morei na casa do Jacó em Campinas, mas eu não cuidava dele. Trabalhava para ele. Às vezes, dirigia, ia em banco, essas coisas”, relatou.

Pelo que se recorda, esteve com Jacó há três meses, mas foi para visitá-lo.

O ex-prefeito de Campinas mora em São Vicente, litoral paulista. Jacó está doente, mal de Parkinson, e à vezes, em crise de depressão, pede que amigos o visitem.

Este quadro de saúde foi uma das razões que teriam levado o filho, Fernando Bittar, e o sócio do filho, Jonas Suassuna, a comprarem o sítio de Atibaia.

Nos últimos anos da presidência de Lula, Jacó era hóspede frequente do Alvorada e da Granja do Torno, onde Marisa Letícia tinha plantação e animais. Foi para Brasília a convite de Lula, que soube de seu estado de saúde e quis ajudá-lo.

A convivência com a família de Lula teria ajudado na melhora do seu estado de saúde.

Nos últimos meses do mandato, Jacó teria sugerido a Lula e à Marisa Letícia que, após a presidência, tivessem um lugar para continuar a passar os fins de semana juntos.

Um lugar onde Marisa pudesse continuar com sua criação de animais — pato, marreco, pavão — e cuidar da horta.

As famílias de Lula e de Jacó são amigas há muito tempo, desde que Lula era presidente do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC e Jacó, presidente do Sindicato dos Petroleiros da região de Campinas.

Em 1981, os dois foram processados na Justiça Militar pela acusação da Polícia Federal de que teriam incitado a violência, em discursos no Acre, quando protestaram contra a morte de um sindicalista.

Foi quando Lula disse “chegou a hora da onça beber água” e o ditado foi interpretado pela Polícia Federal como apologia ao assassinato de fazendeiros.

A acusação era tão sem pé nem cabeça que Lula foi absolvido por unanimidade na Justiça Militar, assim como Jacó Bittar. Quando terminou o julgamento, os jornais registraram o abraço de Lula em Jacó Bittar e, depois, a entrevista dele abraçado a Marisa Letícia.

Os dois são fundadores do PT e disputaram juntos as primeiras eleições do partido, em 1982, Lula como candidato a governador e Jacó, senador.

Os dois tiveram quase 11% dos votos, na eleição em que Franco Montoro se elegeu governador, com cerca de 50% dos votos, e Severo Gomes, senador, ambos do PMDB.

Lula e Jacó, amigos e aliados há muito tempo

Os laços permaneceram tão fortes entre as famílias que um frequentador do sítio de Atibaia conta que Fernando Bittar chamava Marisa Letícia de tia.

Foi com o propósito de manter essas famílias próximas que Fernando, a pedido do pai, passou a procurar uma propriedade próxima de São Paulo.

Em agosto de 2010, o corretor Vanderlei Esteves Mansanares, de São Paulo, foi procurado e esteve com o empresário Adalton Emílio Santarelli, que tinha o sítio em Atibaia.

“Eu fui almoçar no Clube da Montanha com o Vanderlei e ele me disse que havia duas pessoas querendo ver o sítio. Eu disse que tudo bem, eles podiam visitar. Imaginava que quisessem ver o que havia lá, para fazer igual, em outra propriedade”, afirmou Adalton Emílio Santarelli, em entrevista por telefone ao DCM.

Alguns meses depois, o negócio foi feito.

O senhor vendeu para o Lula? —  perguntei.

“Não, nunca me disseram que o Lula estava no negócio, nunca vi o Lula. Só vi isso (de que ele poderia ser o dono oculto), muitos anos depois na imprensa. Não sei se é verdade”, respondeu.

E, pelos registros bancários, Lula não estava no negócio mesmo.

O dinheiro usado por Fernando Bittar para emitir o cheque administrativo com o qual pagou a sua parte no sítio saiu de uma poupança de Jacó Bittar, e foi para a conta do filho.

O caminho do dinheiro já foi demonstrado no processo do sítio de Atibaia, mas, ainda assim, o Ministério Público Federal insiste que Lula é o real proprietário.

E, para sustentar sua tese, recorre a depoimentos inconsistentes, transformando o fiscal de um sítio, homem com primeiro grau completo, em “administrador de bens” da família.

Na época em que Lava Jato provocou uma tempestade no Brasil, essa manipulação dos fatos era aceita sem contestação, e ajudou a criar o ambiente que levou à retirada de Dilma Rousseff da presidência e aos processos contra Lula.

Com base no depoimento de Celso — contestado por ele —, o Estadão chegou a publicar reportagem para sustentar a versão de que Fernando Bittar era laranja de Lula. O texto é de 18 de agosto de 2016:

“Responsável por cuidar das propriedades da família do ex-prefeito de Campinas (SP) Jacó Bittar, Celso Silva Vieira Prado afirmou à Polícia Federal que o Sítio Santa Bárbara, em Atibaia (SP) – que teria sido comprado em nome do filho Fernando Bittar para uso comum com a família do amigo e ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva – disse à Polícia Federal que o imóvel não integrava a lista de bens sob seus cuidados”, registra o texto, com base no depoimento.

Em seguida, relata: “A Operação Lava Jato considera ter provas para apontar que Lula é o dono do sítio, comprado em 2010, por R$ 1,5 milhão”.

Ao ler para Celso um trecho do depoimento, ele ficou particularmente indignado com a parte em que lhe é atribuída a frase de que Jacó não frequentava o sítio.

“Que pode afirmar que JACÓ BITTAR não faz uso do sítio em Atibaia, o qual, por se encontrar em condições precárias de saúde, pouco sai de sua residência em São Vicente/SP”, registra o depoimento.

“Não é verdade, o Jacó não saía de lá”, conta.

Quem frequentou o sítio se lembra de ter visto Jacó muitas vezes na beira da piscina, com o passatempo predileto: fazer palavras cruzadas.

O sítio de Atibaia, com a colaboração da autoridades, gerou muitas fake news.

Depoimento de Celso Prado: “Não disse isso”

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