O sexo é tosco demais para entrar nas memórias amorosas

Atualizado em 9 de fevereiro de 2015 às 22:28

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E então me ocorre que toda história de amor tem um momento imortal. É aquela cena, aquele instantâneo de que nos lembramos até o último dia. Fechamos os olhos e lá está a cena, clara como uma fotografia. Sei lá. Imagino que seja o apogeu da história, aquele ponto até o qual tudo parece que dá certo e depois do qual as coisas começam a se complicar.

Quando os dois se olham e riem sem saber exatamente por quê. Todo romance tem sua imagem definitiva. No fundo é isso que estou dizendo. Penso agora nas minhas histórias de amor. E cada uma delas tem uma imagem que a encerra e a resume. Convido você ao mesmo exercício sentimental. Pode ser um sorvete num parque. Pode ser um jantar à luz de velas. Pode ser uma caminhada com os cachorros. Pode ser uma declaração de amor inesperada. Ou um sorriso súbito que iluminou um dia triste. Pode ser algo que foi dito ou algo que foi justamente silenciado. O beijo da reconciliação. Pode ser tanta coisa. Você vê esse momento como se apertasse o botão de pausa num filme.

É engraçado. Quase nunca a imagem imortal está associada a sexo. O sexo é rude demais, primitivo demais para merecer lugar nas memórias românticas. Quando o inverno chega na vida, quando você reflete sobre as coisas e não enxerga sentido em quase nada, são essas imagens que produzem calor e alento. Elas são únicas e elas são preciosas.

E então me vem à cabeça minha pequena coleção. Vejo Constanza, meu primeiro e distante amor. Ela está numa festa. Tem dezesseis anos. Uma blusa amarela sob um vestidinho azul. Eu só tinha olhos para ela, como naquela canção americana tão linda. Ali, rainha entre tantas garotas que se chacoalhavam, olhos verdes que ofuscavam a iluminação poderosa do salão, ali está Constanza, mais bela e mais enfeitiçadora para mim que todas as Helenas de Tróia, da Grécia e de todas as Ásias maiores ou menores.

Dou pausa e congelo a cena. Aquele foi o momento imortal de nossa história de amor. A força descomunal do instante mágico de um amor oblitera tudo que de ruir pode ter havido. Ouso dizer que este instante é mais forte que a morte. Estou vendo agora Constanza. Perdi Constanza porque tinha medo de perdê-la. “Meu maior medo é ter medo”, dizia Tio Fabio, um homem sábio do interior. Afastei-a de mim porque me atormentava a idéia de que ela acabaria por se afastar de mim. O medo me venceu. O medo venceu a nós dois como uma possibilidade de casal.

Constanza foi minha passagem para a vida adulta, como acontece para a maior parte dos homens em seu primeiro amor. A separação me trouxe a experiência inédita e dolorosa de lágrimas amorosas. O cinismo da vida como homem feito se incumbiu de secá-las. Nunca mais a encontrei. Tive durante algum tempo notícias esparsas dela: casamento, um filho e depois uma filha.

Algumas vezes pensei em procurá-la para lembrar bons momentos que compartilhamos, mas sempre desisti. Esse tipo de reencontro não funciona: cada qual vê no outro apenas o fantasma de um tempo que foi. No entanto sua imagem sublime naquela festa estará sempre viva em mim. Em mais uma de minhas tolices de escritor barato penso como seria se aquela festa jamais tivesse acabado, jamais tivesse acabado.