Toffoli agiu com correção no caso da morte do irmão de Lula e sua decisão foi ponderada para nossos dias. Por Eugênio Aragão

Atualizado em 31 de janeiro de 2019 às 14:23
Toffoli

POR EUGÊNIO ARAGÃO, ex-ministro da Justiça

Juízos rápidos são inevitáveis nas redes sociais. As pessoas se indignam com facilidade e em tempo real. Mal dá tempo para  reflexão e os julgamentos tortos sobre semelhantes abundam. Dificilmente a leitura expressa de mensagens e blogs abre espaço à empatia. O resultado é a proliferação de sabichões virtuais, cheios de razão e embevecidos de sua superioridade moral.

Os dois dias que se passaram foram – mais uma vez – sofridos para quem tem um mínimo de bom senso e discernimento sobre a tragédia que está a ocorrer no país: com o Sr. Moro aboletado na cadeira de ministro da justiça, os órgãos da repressão penal se articularam para impedir ao Presidente Lula o exercício do mais elementar direito de sepultar um familiar, um ente querido. A crueldade faria até Sófocles corar – a sacralidade do direito ao sepultamento foi por ele dramaticamente encenada em Antígona, peça teatral que remonta ao quinto século antes de Cristo.

Mas não se espere dos boçais que pornograficamente governam este país que conheçam ou se lembrem de Antígona. Se o Sr. Moro, ainda como juiz de piso, na sua obsessão por Lula, interrompeu até suas férias para, sem jurisdição, maquinar contra o cumprimento de uma decisão liberatória de 2° grau que o favorecia, imaginem o que o energúmeno não é capaz de fazer, como ministro de estado, para aumentar o sofrimento daquele que elegeu como alvo de suas frustrações!

Alguém duvida de que o vaidoso ex-magistrado possa ter futricado com a juíza Lebbos, o procurador Deltan e o Superintendente da PF local, sob seu comando, para inviabilizar a saída de Lula para enterrar seu irmão? Eu não. Prevaricação, nesse espaço, virou rotina, quando agentes públicos elegeram um inimigo para perseguir aos olhos da população, esforçados por destruir sua reputação.

Foi aí que entrou o Ministro Dias Toffoli, escolhido pelas redes sociais para ser o bode expiatório da vez. Culparam-no de, após provocado pela defesa numa reclamação contra o indeferimento do pedido de liberação provisória de Lula para o sepultamento de seu irmão Vavá, ter demorado para decidir e, com isso, inviabilizado a participação no velório e no enterro; criticaram-no de ter condicionado o deferimento a que o corpo fosse trasladado para uma unidade militar, onde pudesse ser visitado por Lula e seus familiares com exclusão do público e, também, da imprensa.

Em tempos de máxima polarização política, há os que entenderam que o Ministro Toffoli fez de menos, mas há, igualmente, os que pretenderam que ele fez demais. Em setores governistas e militares, dizem, houve vozes críticas que apontaram para o suposto desperdício de recursos públicos com a logística que a operação de transporte e escolta de Lula implicaria. Houve, até, um desalmado jornalista que nem merece esse título que sugeriu que a dor de Lula seria fingida, pois não teria, ele, mostrado igual empenho em participar de sepultamento de entes queridos quando estava livre. A idiotice mentirosa foi até espalhada pela rede pelo clã Bolsonaro.

Em tempos normais, o passamento e o enterro de Vavá faria um noticiário mais comedido e a participação de Lula nos atos de homenagem póstuma seria comentada de modo a causar compaixão e solidariedade – como se espera que Mamãe tenha ensinado a meninos e meninas “de bem”. É o que caberia fazer numa hora dessas: the right thing to do.

Mas vivemos momentos estranhos em que uma ministra de direitos humanos, sem conhecimento de causa, atribui “aos holandeses”, tout court, masturbar seus bebês e em que um chanceler doidivana afirma publicamente que a mudança climática é uma conspiração marxista. O espaço público virou uma sopa de letras sem sentido real e, também, os sentimentos mais nobres deixaram de ter qualquer significado. Nem a dor da perda de um irmão comove. Há um inegável embrutecimento do senso comum.

Diante do drama vivido pela politização judicial do sentimento de Lula, sua defesa recorreu à Corte Suprema do país. Nada mais normal! Mas o pedido deu entrada já tarde à noite, quando o velório de Vavá já estava acontecendo.

A razão da demora do pedido está na embromação promovida na instância de piso. A juíza Lebbos, ao receber a primeira provocação judicial, ante o corpo mole do superintendente da PF em Curitiba, deu um prazo de vinte e quatro horas para a PF e o MPF se manifestarem. Vinte e quatro horas, com o óbito já consumado, nestas terras tropicais, é um prazo que, por si só, inviabilizaria qualquer participação de Lula nas exéquias do irmão. Não haveria como atrasar o sepultamento do corpo só para atender ao capricho burocrático da jovem magistrada. O prazo de validade de um corpo insepulto nas bandas de cá do equador não alcança esse período todo.

A polícia respondeu com cinco horas do prazo fluído e, o MPF, após oito horas do despacho da juíza. Os motivos alegados para sugerir o indeferimento do pedido da defesa de Lula foram risíveis, a ponto de o Sr. Dallagnol e sua trupe sugerirem que a participação de Lula no enterro atrapalharia os trabalhos de atendimento às vítimas da catástrofe de Brumadinho. Enfim, confirma-se: a sopa de letras dominou o espaço público. Dallagnol é a prova viva disso.

No meio do rebuliço, a juíza Lebbos decidiu o pedido lá para as 11 da noite. E, claro, o indeferiu. Como assim? Deu uma de Creonte, em Antígona! Negou o sagrado direito às exéquias.

Neste momento, impetrou-se habeas corpus ao TRF da 4ª Região, sim, aquele mesmo que julgou a apelação de Lula a toque de caixa sem enfrentar as razões da defesa e proferiu, na ocasião, sabuja laudatória ao Sr. Moro. Ali, o desembargador Paulsen também fez o que era previsível. Como diria o Barão de Itararé, de onde menos se espera é que não sai nada mesmo. Deu razão à Sra. Lebbos. Sono tutti buona gente!

Restou, pois, o STF, já depois da meia-noite, para onde se aviou a reclamação. É razoável se admitir que o gabinete da presidência estava fechado e seus servidores gozando do merecido sono dos justos. No serviço público existe expediente e ele costuma se encerrar às 18:00 horas. Em gabinetes não tem hora para terminar, mas costuma se estender até lá para as 22:00 horas. Gabinete de ministro não é farmácia para ficar aberto vinte e quatro horas.

Na primeira hora da manhã, entretanto, lá para as 07:30 horas, este que aqui vos escreve telefonou para o assessor-chefe do Ministro Toffoli pedindo as desculpas de estilo por estar ligando tão cedo. Foi atendido com presteza e imediatamente se pôs a se comunicar com o Presidente do STF. Durante toda a manhã seguiu-se o contato para instruir o pedido com a urgência que o caso reconhecidamente estava a merecer.

O ministro ficou o tempo todo acompanhando o trâmite e deu sua decisão quando se encontrava habilitado para tanto. Não enrolou como a juíza de piso, não fez corpo mole. A assessoria mostrou empenho em resolver de modo a garantir decisão em tempo hábil. Esta estava pronta às 11:30 horas, com o enterro marcado para as 13:00. Justiça seja feita: não dava para ser mais rápido. Depois, houve natural trâmite para o registro e a comunicação processual. Foi lamentável, mas não se conseguiu garantir o traslado do Presidente Lula a ponto de poder participar das homenagens póstumas.

Os culpados, porém, devem ser procurados em Curitiba e em Porto Alegre, com a atuação concertada do ministro da justiça. Mas não é justo, neste episódio, apontar para o STF.

A decisão do Ministro Toffoli foi ponderada para os dias em que vivemos. De certo, há quem critique, com boas razões, a condição de se fazer o velório em unidade militar ou de permitir que Lula pudesse ter um momento de convívio com os familiares, mesmo sem o corpo presente. Mas é bom, neste momento, se colocar no lugar do Presidente do STF.

É sabido que o irmão de Lula, Vavá, tinha sua luz própria e era pessoa muito querida e popular em São Bernardo do Campo. É inevitável que o velório e o enterro, por si só, causaria grande aglomeração de pessoas. Esta seria ainda infinitamente maior com a presença do Presidente Lula. Garantir a ordem pública e até sua segurança pessoal num contexto desses demandaria logística complexa. Competia ao Ministro Toffoli desfazer o argumento da juíza de piso de que não havia condições técnicas. A solução que foi dada é prova clara da má vontade da jovem magistrada.

O que é errado – sem dúvida – é o Presidente Lula estar preso. A injustiça dessa pena que cumpre sem trânsito em julgado da condenação em função de uma sentença politiqueira, proferida por quem não tinha a mínima isenção para tanto, clama aos céus. Mas o que estava em questão, no pedido dirigido ao Ministro Toffoli, não era o teor do pífio julgado do Sr. Moro, confirmado por três desembargadores amigos do juiz de piso, com bons tapinhas nas costas deste; era o traslado de Lula a São Bernardo do Campo para comparecer ao velório e enterro de Vavá, negado de forma insolente pela justiça federal em Curitiba e Porto Alegre – apenas isto.

O Ministro Toffoli se compadeceu sinceramente com o sofrimento de Lula, posso afirmar sem errar. Trata-se, indiscutivelmente, de um momento de muita dor para quem está a sofrer enorme injustiça. E a atuação expedita da equipe do STF não deixa margem a dúvida sobre a seriedade de propósitos.

A decisão do Presidente do STF teve, ademais, o mérito de declarar com todas as letras que a atuação das instâncias inferiores no episódio foi ilegal, pois contra as decisões respectivas foi concedida ordem de habeas corpus de ofício. Isso terá mui provavelmente consequência ulterior, porque, com base nessa constatação, não se pode excluir a responsabilização disciplinar e cível de quem deu causa à violação do elementar direito de Lula.

O julgamento precipitado do Ministro Toffoli não favorece em nada a clareza que se deve ter sobre quem realmente protagonizou este episódio vergonhoso, mais um que maculará, para a posteridade, a imagem do judiciário brasileiro, como instituição dominada pelo ódio político e mesquinhos interesses de classe.

Os culpados têm nome e endereço. A maioria mora no sul do Brasil. Mas Toffoli, neste caso, agiu com correção, ainda que lamentavelmente não pôde, diante do pouco tempo de que dispunha, impedir que se consumasse mais esta peça ignóbil pregada contra a dignidade do Presidente Lula, já assaz ferida. Por justiça, é importante dizer e reconhecer isso.