Trump faz discurso com cores nazi-fascistas para celebrar vitória no impeachment. Por Kennedy Alencar

Atualizado em 6 de fevereiro de 2020 às 21:04

O presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, fez dois discursos fortes nesta quinta-feira para comemorar sua absolvição no processo de impeachment julgado ontem pelo Senado. De manhã, adotou linha muito religiosa. Falou em Deus o tempo inteiro, numa aparente preocupação com o pré-candidato democrata Pete Buttigieg, que se destaca no debate religioso.

Mas o essencial de Trump nesta quinta-feira foram os ataques diretos e duros contra seus adversários. Fez um discurso autoritário. Chamou os oponentes de inimigos, bandidos, diabólicos e doentes que querem “destruir o país”. Essa retórica de adversários que almejam dinamitar os EUA tem raízes no nazi-fascismo.

Quando você diz que o seu adversário político é um inimigo que deseja destruir o país, você leva a política para o nível da guerra. Autoritário, Trump não tem o menor pudor em usar as armas da democracia para enfraquecê-la.

Seu discurso é preocupante porque sinaliza uma campanha de baixo nível, como fez contra Hillary Clinton há quatro anos, abusando de ataques pessoais e fake news.

O presidente americano atacou o senador republicano Mitt Romney (Utah), que votou pelo impeachment dele. Questionou a fé de Romney. Trump disse não gostar de quem sua a religião para justificar seus erros. Também alfinetou a presidente da Câmara dos Deputados, a democrata Nancy Pelosi (Califórnia) na mesma linha. Ora, Trump nunca foi religioso. É um oportunista que usa a religião para obter votos na campanha. Romney e Pelosi não são religiosos de ocasião.

Pré-Revolução Francesa

Trump e o secretário de Estado, Mike Pompeo, acabaram de lançar nos EUA a chamada “Aliança de Promoção da Liberdade Religiosa Internacional”. É um movimento global conservador que pretende usar a religião para fins políticos. O ministro das Relações Exteriores do Brasil, Ernesto Araújo, participou de jantar endossando essa aliança que mistura Igreja e Estado, algo pré-Revolução Francesa.

Mais uma vez, a diplomacia brasileira é diminuída por um ministro que apoia algo anacrônico e autoritário. Bolsonaro também pegou carona nos discursos de Trump. Numa linha bem rodrigueana, assistiu a um deles, divulgou na internet e disse ver similaridades, como o risco de um processo de impeachment no Brasil.

Se Trump é reeleito, o futuro da democracia no mundo estará sob ameaça. Estimularia autoritários planeta afora como o colega brasileiro. Esses pupilos do americano podem ser sentir fortalecidos. Se Trump perder, seus imitadores se enfraqueceriam.

O presidente americano tem atacado aliados tradicionais. Hoje, sobrou de novo para a Alemanha. Isso gera mais isolamento americano no mundo. Nesse contexto, o Brasil vai seguindo a linha trumpista. Temos um chanceler que endossa uma iniciativa internacional que envergonha a história do Itamaraty. Temos um presidente que mimetiza Trump _apesar de ser uma cópia de quinta categoria.

Na política, não é jogo limpo dizer que adversários querem destruir o país nem chamá-los de inimigos. É uma forma de rotular oponentes como contrários ao interesse nacional, como fez o nazi-fascismo.

É preciso aceitar que o seu adversário também quer melhorar o país, apesar de ter fórmula diferente da sua, de pensar de outra forma. É um imperativo democrático aceitar a divergência. Trump e Bolsonaro não são fascistas clássicos, mas seus discursos e práticas têm cores fascistas. A gente já viu o que isso deu no mundo.

Parece que estão sendo esquecidas as lições da Segunda Guerra Mundial, como disse recentemente a chanceler da Alemanha, Angela Merkel. O que vai acontecer na eleição americana será determinante para o futuro da democracia no planeta, mas também no Brasil.

Caucus na berlinda

Foi um fiasco para o Partido Democrata a seção de Iowa não ter conseguido contar em tempo hábil o resultado da prévia no Estado . Lá se realiza o caucus _uma assembleia de eleitores que discute com voto aberto quem deve ser escolhido o candidato do partido. É diferente da prévia por primárias, que são parecidas com as eleições (voto em cédula).

Houve uma falha no aplicativo que arrasta até hoje a divulgação total do resultado final do caucus.

Nesta quinta, Bernie Sanders, senador por Vermont, declarou vitória em Iowa. Ele está em primeiro no voto popular, mas atrás 0,1 ponto percentual de Pete Buttigieg, ex-prefeito de South Bend (Indiana). Ambos estão empatados em número de delegados. A declaração de Bernie Sanders levou o comitê nacional democrata a avaliar a possibilidade de recontar todos os votos no caucus de Iowa.

Ou seja, um prato cheio para o presidente Donald Trump, que tentará a reeleição. Trump disse que, se não conseguem contar votos num caucus em Iowa, os democratas não conseguiriam administrar o país.

O caucus é arcaico e tem ingredientes antidemocráticos. Quem teve condenação por crime violento não vota. Mulheres com dupla jornada, o que é comum num Estado conservador como Iowa, e quem trabalha de noite também ficam impedidos de participar.

Nesse sentido, a primária é mais democrática, porque mais rápida e parecida com um processo eleitoral comum. A ideia original do caucus, de estimular a democracia direta, acabou se perdendo. É um jogo de cartas marcadas, como pôde ser visto na última segunda num ginásio de Des Moines, capital de Iowa.

Partido Democrata está dividido

A disputa em Iowa serviu para revelar uma surpresa na corrida democrata: Pete Buttigieg. Ele é um gay assumido, muito religioso e branco. Representa a ala mais moderada e conservadora do Partido Democrata. O bom desempenho de Bernie Sanders criou problema para a senadora por Massachusetts Elizabeth Warren. Sanders e Warren são da ala progressista, a ala de esquerda dos democratas. Warren ficou em terceiro em Iowa.

Buttigieg pode ameaçar a candidatura de Joe Biden, ex-vice-presidente de Obama e também um moderado. A próxima prévia será no dia 11, terça-feira da semana que vem em New Hampshire. Se Buttigieg confirmar o bom desempenho, vai atrapalhar Biden e Sanders. Alguns acreditam que ele, com boa performance no conservador Meio-Oeste, possa atrair uma parcela branca do eleitorado que preferiu Trump em 2016.

Mas é preciso cautela, aguardando os próximos lances da disputa democrata. Na chamada Superterça, primárias que ocorrerão em 3 de março em 14 Estados e um território, haverá maior indicativo da tendência democrata. Cerca de 40% dos delegados da Convenção Nacional Democrata serão decididos nessa data.

O ex-prefeito de Nova York Michael Bloomberg aposta suas fichas na Superterça. Bilionário, ele tem feito forte campanha na TV contra Trump.