Trump ressuscita prática nazista da “culpa por associação” contra Moraes

Atualizado em 23 de setembro de 2025 às 7:16
Governo Trump diz que sanção à mulher de Moraes ocorreu por 'suporte' a ministro e ameaça novas medidas a quem apoiá-lo
Trump e Moraes

O novo pacote de sanções do governo Donald Trump contra autoridades brasileiras rompeu todos os limites não apenas do direito, mas da decência.

Ao incluir Viviane Barci de Moraes, esposa do ministro Alexandre de Moraes, do STF, os três filhos do casal e auxiliares na lista da Lei Magnitsky, Washington está importando para o século XXI uma prática da Alemanha nazista: a Sippenhaft, a doutrina da “culpa por associação”, que autorizava a perseguição de gente próxima dos opositores.

Na época de Hitler, a Sippenhaft foi usada contra os inimigos do regime. Após o atentado de 20 de julho de 1944, arquitetado pelo oficial do Exército Claus von Stauffenberg na Operação Valquíria, não bastou executar os conspiradores: esposas, filhos e empregados domésticos foram arrastados para prisões e campos de concentração.

Dietrich Bonhoeffer, pastor luterano e teólogo alemão, também se destacou na resistência. Executado em 1945, sua família foi severamente perseguida, com vários de seus parentes presos ou mortos.

A mensagem era inequívoca — ninguém estava a salvo caso um parente ousasse desafiar o regime. Era o terrorismo de Estado estendido às famílias.

Trump reedita a mesma lógica. O alvo declarado é Alexandre de Moraes, que conduz processos contra Jair Bolsonaro e sua rede de apoiadores. Mas as vítimas imediatas são membros de seu círculo íntimo, pessoal e profissional.

O objetivo é pressionar o Brasil, enfraquecer o Supremo e inocentar Bolsonaro, condenado a 27 anos e 3 meses de prisão por golpe de Estado (o efeito prático foi deixar o capitão mais perto ainda da Papuda).

Ex-assessores de Moraes, colegas de tribunal e integrantes do Judiciário ligados a julgamentos da inelegibilidade e da condenação do ex-presidente também tiveram vistos suspensos. O que está em curso é um cerco contra todos que, em algum momento, atuaram na responsabilização do golpista Bolsonaro pelos crimes de 8 de janeiro.

A Lei Magnitsky, usada de forma inédita contra familiares de um magistrado, foi criada para punir violações de direitos humanos, tortura e corrupção sistêmica.

Transformá-la em ferramenta de retaliação contra juízes e seus parentes é uma distorção brutal, a serviço de um tirano. É um expediente que não busca justiça, mas vingança — vingança política a serviço de um aliado condenado.

Stauffenberg (o primeiro à esquerda) num encontro com Adolf Hitler e oficiais do Exército alemão

O Itamaraty chamou a medida de “ofensa aos 201 anos de amizade entre Brasil e Estados Unidos”. O Supremo classificou como “injusta” a sanção à família de Moraes.

Mas a gravidade vai além do campo diplomático. Trata-se de uma agressão à ideia de responsabilidade individual, pedra angular do Estado de Direito. Ao atacar filhos, cônjuges e colegas de trabalho, Trump envia uma mensagem de intimidação universal: qualquer um que toque em Bolsonaro pode arrastar consigo todos à sua volta.

O paralelo com a Sippenhaft não é mera retórica. É um alerta histórico. O nazismo usava a culpa por associação para destruir resistências internas. Trump a resgata, agora, para proteger um sujeito que tentou destruir a democracia brasileira. A pergunta que se impõe é: até onde irá essa escalada?

Kiko Nogueira
Diretor do Diário do Centro do Mundo. Jornalista e músico. Foi fundador e diretor de redação da Revista Alfa; editor da Veja São Paulo; diretor de redação da Viagem e Turismo e do Guia Quatro Rodas.