Tudo em família: procurador que poderia rever a Lava Jato é primo de um dos acusadores de Lula. Por Joaquim de Carvalho

Atualizado em 13 de junho de 2019 às 18:26
Diogo, Maurício e Rodrigo: o mesmo sangue nas veias

O subprocurador regional da 4a. Região da Justiça Federal, Maurício Gotardo Gerum, é filho de Doroti Maria Gerum, conforme se pode constatar por uma pesquisa do Google.

Doroti, por sua vez, é irmã de Delivar Tadeu de Mattos, que vem a ser pai do procurador da república Diogo Castor de Mattos.

O que isso quer dizer? Que o subprocurador que atua nos casos da Lava Jato no TRF-4 poderia ser considerado suspeito para analisar casos que envolvam pedido para revisar o trabalho do primo, ainda que indiretamente.

Sim, porque as revisões dizem respeito às sentenças judiciais, mas estas têm como base acusações do Ministério Público Federal.

Em geral, o que Diogo Castor de Mattos acusa na primeira instância, o primo Maurício Gotardo Gerum tem poder confirmar na segunda. No mínimo, não faz bem à imagem do sistema da Justiça, do qual o MP faz parte.

Mas, ao que parece, isso não é um problema para a família Mattos. O irmão de Diogo Castor de Mattos, Rodrigo, é advogado e atua em pelo cinco casos da Lava Jato.

Ou seja, de cada lado do balcão, tem um Castor. Ou, pelo menos, tinha até o final de abril, quando Diogo Castor de Mattos pediu afastamento da força tarefa sob alegação de estafa.

Conforme reportagem da Agência Pública, Rodrigo é advogado criminal em Curitiba há cerca de 15 anos, especializado em crimes contra a administração pública, o sistema financeiro nacional, ordem tributária e lavagem de dinheiro, como detalha a página de seu escritório, Delívar de Mattos & Castor.

Diogo Castor, de 31 anos de idade, é irmão mais novo. Segundo a reportagem da Pública, os nomes dos irmãos são listados juntos em pelo menos cinco procedimentos judiciais que tramitam na 13ª Vara Federal de Curitiba, na época em que era comandada pelo juiz Sérgio Moro.

A atuação de parentes no mesmo processo é vedada pelo Código de Processo Penal.

Diz o artigo 258: “Os órgãos do Ministério Público não funcionarão nos processos em que o juiz ou qualquer das partes for seu cônjuge, ou parente, consanguíneo ou afim, em linha reta ou colateral, até o terceiro grau, inclusive, e a eles se estendem, no que lhes for aplicável, as prescrições relativas à suspeição e aos impedimentos dos juízes”.

Rodrigo, que seria conhecido como irmão do “procuradorzinho”, não é juiz, mas atua como advogado em caso de delação premiada, onde o MP de Diogo tem poder gigantesco. Por analogia, os dois não deveriam atuar no mesmo processo.

Mas atuam. Ou pelo menos atuavam até Diogo pedir afastamento. Seu nome, no entanto, continua a aparecer como responsável pela acusação ou acordos de delação premiada.

É o caso da delação do marqueteiro de governos do PT João Santana e sua mulher, Monica Moura, presos na fase “Acarajé” da operação.

Foi esse processo que chamou atenção do ministro Gilmar Mendes, do STF, e o levou a publicamente pedir que a Procuradoria-Geral da República investigasse a relação entre os irmãos.

“A corrupção já entrou na Lava Jato, na Procuradoria”, disse Gilmar, durante uma sessão em que se estava julgando outro caso.

Ele disse que tinha sido procurado pelo advogado Roberto Batochio para informar que tinha deixado a defesa de Palocci por uma exigência da força-tarefa de Curitiba para as negociações da colaboração premiada do ex-ministro.

Mendes, então, citou Rodrigo Castor de Mattos. Segundo ele, haveria a exigência de que vários processos passassem pelo escritório do advogado. Depois que o caso se tornou público, segundo relato de Gilmar, a atuação teria passado a ser clandestina.

Conforme Gilmar Mendes, não houve atuação formal de Rodrigo Castor de Mattos no caso de Palocci — que obteve benefícios generosos no acordo de delação e teria ficado com 30 milhões de reais do dinheiro que estava bloqueado e que seria fruto de corrupção.

Nos desdobramentos do processo de João Santana, a atuação de Rodrigo Castor de Mattos foi oficial. E o outro Mattos, não o Castor, o Maurício Gerum, atuou também junto ao TRF.

Ele foi contra um recurso que defendia penas maiores para João Santana. Seu parecer  foi no sentido de que deveria ser respeito o acordo de delação premiada, o acordo de que participou, pelo Ministério Público Federal, seu primo Diogo.

Ponto para João Santana. Ponto para o escritório de Rodrigo Castor de Mattos.

Os advogados de Lula agora querem confirmar o parentesco entre Diogo e o Maurício Gerum. Ontem, apresentou petição ao Tribunal Regional Federal da 4a. Região para que ele se manifeste. Confirmado o parentesco, a defesa pode pedir sua suspeição no processo sobre o sítio de Atibaia.

O DCM entrou em contato com a Procuradoria Regional da República da 4a. Região e a assessoria de imprensa informou que Maurício Gerum só vai se manifestar pelos autos.

Só por hipótese: nos Natais da família, casamentos ou em aniversários, quando normalmente parentes se encontram, assunto de trabalho deve ser proibido, porque, do contrário, estariam todos em situação de flagrante conflito de interesse.

Ou será que, no ambiente da Lava Jato, isso importa?