Tudo ia muito bem até que o marido matou toda a familia

Atualizado em 28 de fevereiro de 2015 às 14:11

Nos bons tempos
Nos bons tempos

Por Renan Antunes de Oliveira, em Santa Catarina

Os amigos diziam que a vida ia bem no confortável casarão verde e de jardim bem conservado da família Moresco – Pederssetti numa vila de inspiração italiana a 600 km de Floripa, até a madrugada da quinta 26 quando o dono da casa matou a mulher, a filha, os sogros e a cunhada. A polícia sustenta que ele se matou em seguida.

Esqueça o clichê de “a cidadezinha ficou chocada pela tragédia”. Metade dos 4 mil habitantes do lugar foram ao enterro ao meio dia de hoje, todos querendo uma explicação. Foi o evento do século 21, ainda mais sendo o primeiro assassinato do distrito de Fernando Machado desde a emancipação de Chapecó em 1992.

“A Mônica queria viver. Ela não tinha uma vida, entendeu? Aí ela pediu o divórcio e aconteceu tudo”. Assim a comerciária Sheila Piccin 41, começa a tentar explicar a tragédia.

Mônica Moresco, que faria 34 dia 6, a filha Lana (16), os pais dela Antônio (68) e Luiza (62) e a irmã Lucimar foram mortos a tiros supostamente pelo marido, Alcir Pedersseti (42), todos descendentes de italianos.

Sheila era a melhor amiga e confidente da morta. Ela foi a fonte da tese da polícia de que Monica pedira o divórcio que Alcir não queria, dando um motivo: “Ela me disse que queria se divorciar dele. Falava nisso todo dia. Foi tanto que um dia eu mandei ela calar a boca. Só ficava falando, falando, sem nunca fazer nada”.

Mônica e Alcir não eram casados no civil. Ele tinha outra mulher e um filho, hoje com 17, quando a conheceu.

Alcir mudou-se para a casa de Mônica onde já viviam os pais e a irmã dela, retardada mental. Era uma habitação de madeira num sitio distante, chamado Linha Bento – a maioria das famílias de lá tem granjas de porcos ou aviários, inclusive um irmão de Alcir. Uma chuva de granizo destruiu o telhado e eles decidiram mudar-se da Bento para o local onde ocorreria a tragédia.

Com o dinheiro da venda da casa de madeira e um financiamento Mônica ergueu o casarão que aparece nas fotos dos jornais.

Mônica tinha 1m52 e pesava 63 quilos, loira e de olhos azuis. Formou-se em pedagogia, trabalhou na biblioteca da universidade de Chapecó, lecionou por nove anos e finalmente conseguiu abrir a lojinha Capricho: “O sonho dela era este negócio, ela gostava muito. Viajava para Brusque para comprar roupas e ter sempre produtos de marca, o negócio ia muito bem”, diz Sheila.

Quando a casa estava quase pronta, há cinco anos, o pai dela teve um AVC que o deixou inválido, e do qual nunca se recuperou: “A Mônica era uma guerreira que não desistiu de sua gente. Cuidava dos pais e da irmã, com a ajuda de dona Luiza. Ele me disse que teve “sorte” de ter feito o quarto dos pais no térreo porque senão teria que levar a cadeira de rodas dele pela escada. Tenho certeza que o faria se fosse necessário.”

Uma segunda amiga confirma o papo de Sheila e diz um ditado em italiano: “Cidade pequena, inferno grande”. Ela diz que a vida do casal era acompanhada por dezenas de vizinhos e amigos: “Eles não tinham dificuldades de dinheiro, mas a vida que levavam com tanta gente doente em casa só podia ser muito difícil”.

Sheila entra na alcova do casal: “Ela me disse que nunca teve uma vida de casado com ele, era sempre toda aquela família junto”.

Mônica teria dito para a amiga que Alcir, técnico agrícola da prefeitura, encerrava o expediente às 17h30 e sumia, só aparecendo em casa bem tarde da noite: “Mas ela me disse que ele sempre dormiu em casa”. Considera apenas “uma fofoca os comentários da cidade de que ele era mulherengo”, além de “deselegantes porque ele está morto e não pode se defender”. Ela afirmou que Mônica nunca se queixou disto.

Sheila disse que “Mônica pediu o divórcio dele para poder viver. Você sabe o que é viver para uma mulher ? Poder sair, ver coisas diferentes, fazer qualquer coisa além da vida de trabalheira que ela levava”.

A amiga disse que Alcir parecia ser um marido sempre elegante, sempre sorridente, que a tratava com gentileza: “Mônica nunca se queixou de nada dele, isto é que surpreende. Naqueles massacres que acontecem nos Estados Unidos depois sempre tem uma explicação. Aqui não tem. Ele nunca foi um monstro. A única coisa que ela dizia é que ele era um acomodado. Ela não podia deixá-lo porque tinha um sentimento maternal, não queria deixá-lo mal”.

Sheila definiu a amiga como “o alicerce daquela família, ela fazia tudo. Corria pro supermercado, pra loja, pra atender o marido, os pais, tudo era com ela. O Alcir era um imprestável”, diz, jurando que tomou a expressão da amiga.

Mais da Sheila: “A gente estava tomando chimarrão um dia destes e ela disse que não se sentia amada. Queria sair do casamento, mas que ele não aceitava e nem queria falar no assunto com ela. Nisto ele era muito machista, não tenho dúvida” – Sheila frequentava a casa a ponto de tomar café com dona Luiza no quarto do marido inválido.

A comerciária foi ao velório sob calmantes e saiu do cemitério nos primeiros minutos, por se sentir mal. Ela chorou muito por causa de Lana, amiga de sua própria filha, de 19.

“Mônica me disse que Alcir sempre foi um ótimo pai. Os dois até tinham feito a mesma tatuagem pra Lana. Mônica escreveu em português e ele num símbolo em japonês de ‘amor eterno’ “, conta Sheila.

Para ela isto explica por que pai e filha foram encontrados juntos: “Ela deve ter sido a última”, acredita a amiga. Na tese da polícia, ele teria matado primeiro a mulher e depois o resto da família, nos quartos, até atirar em Lana e se matar, no chão da sala.