Tudo indica que estamos nos encaminhando para um desastre absoluto. Por Luis Felipe Miguel

Atualizado em 12 de abril de 2020 às 9:45
Dezenas de covas são abertas no Cemitério da Vila Formosa, em SP André Penner/AP

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POR LUIS FELIPE MIGUEL

Tudo indica que estamos nos encaminhando para um desastre absoluto. Simples assim.

Em muitas cidades, estamos há semanas numa espécie de semiconfinamento – é confinamento, mas não na hora de comprar ovo de Páscoa ou ir no parquinho com as crianças. Tudo indica que ele é insuficiente para conter o avanço do vírus.

E, se é assim, em breve teremos que iniciar um confinamento de verdade, contando a partir do zero.

Ninguém consegue impor confinamento só na base da repressão, sem um amplo consenso na sociedade a sustentá-lo. No Brasil, a produção desse consenso é boicotada sistematicamente por políticos desonestos e religiosos picaretas, que se dispõem a arriscar a vida de todos para garantir o que lhes parece ser um ganho imediato.

O fato de que o discurso de minimização do risco do coronavírus continua circulando é grave também porque funciona de válvula de escape para quando o confinamento se torna pesado.

Não é que a pessoa de fato acredite nas asneiras ditas por Bolsonaro, Terra ou Malafaia. Mas quando a vontade de romper o confinamento fica grande demais, cresce a tentação de conceder a ela o benefício da dúvida…

Fiel à estratégia bannoniana de abraçar a incoerência sem pudor, os fascistas locais ao mesmo tempo dizem que o coronavírus “é uma gripezinha” e exigem que os doentes sejam tratados, desde os primeiros sintomas, por um medicamento forte, com graves efeitos colaterais – e sem eficácia comprovada.

Há quem sugira que existem interesses econômicos por trás do entusiasmo tão descabido com a cloroquina. Talvez. Mas basta o interesse político.

É construída – abertamente, já que sutileza não é o forte – uma narrativa em que eles trazem soluções (a cloroquina) enquanto a esquerda (no sentido amplo que o bolsonarismo dá ao termo, uma esquerda cujos protagonistas são Dória e a Globo) traz problemas (o coronavírus).

Quando alertamos para o crescimento dos casos de contágio e de mortes, parece que estamos torcendo pelo vírus. Quando enfatizamos que faltam muitos testes para provar que a cloroquina é eficiente e que os resultados dos testes até agora feitos estão longe de ser unívocos, parece que estamos torcendo para que o remédio não funcione.

O desastre se aproxima a passo rápido. Logo estará a galope. Já são mais de mil mortos no Brasil. Serão muitos mais.

Uma pesquisa na Alemanha indicou que a taxa de letalidade do vírus é baixa: 0,37%. Parece pouco. Mas mesmo que a gente replique aqui os números alemães, mesmo que o colapso do sistema de saúde não leve – como fatalmente levará – a um aumento desses número, esse percentual aponta para a morte de cerca de 700 mil brasileiros.

É um número que deveria assustar.

Infelizmente, o trabalho ideológico dos políticos e religiosos da extrema-direita passa fundamentalmente por negar o valor da vida humana.

A cada dia, eles dizem que muitos de nós não merecemos viver. Mulheres que praticaram aborto. Lésbicas e gays. Pessoas trans. Comunistas. Umbandistas. Ateus. Professores. Jornalistas. Funcionários públicos. A lista não termina.

E, como disse certa vez, de forma memorável, o atual presidente da República, “se vai morrer alguns inocentes, tudo bem”.

O vírus é a causa específica do desastre que nos aguarda. Mas as condições para que ele ocorresse vieram dos muitos anos em que nossa “elite” cevou o obscurantismo, julgando que ele lhe seria útil.