Tuitar no sexo é uma arte para poucos. Por Fabio Hernandez

Atualizado em 3 de julho de 2016 às 14:52

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Júlio conheceu Lúcia no Twitter. Ela o retuitou numa frase de George Orwell que ele postara: “Todos os animais são iguais, mas alguns são mais iguais que os outros.” Depois retuitou-o novamente numa frase de Woody Allen: “Só me arrependo de não ter feito tudo diferente na vida.” Na terceira tuitada ele decidiu mandar uma mensagem direta para ela. Era uma frase dele mesmo: “Tuitar no sexo é um arte para poucos: envolve perícia, astúcia e senso de oportunidade.”

Não há nada mais fácil do que passar de uma relação virtual para uma relação real. As pessoas online anseiam por um contato com alguém a quem, se esticarem o braço, possam tocar. Júlio convidou Lúcia para um café. Foram a um Starbucks. Reconheceram-se logo não apenas pela foto, mas porque ambos haviam levado seu laptop para um atraso eventual do outro. Ficariam tuitando na espera. Os dois estavam na casa dos 30. Ele era repórter, ela documentarista. Ele gostou do sorriso dela, e do decote também. Ela gostou do humor dele, e do laptop também. Ela consultou seu twitter apenas uma vez. Ele duas. Como demoraram uma hora e meia no café, era sinal de que a conversa agradava a ambos. Na última vez que saíra, Lúcia chegou a tuitar em meio ao encontro. “Uma palavra: boring”, escreveu.

O próximo encontro foi no São Cristóvão, numa noite de sexta. Parecido em muita coisa. Nos laptops com que ambos chegaram, nas risadas, e até na contagem de consultas ao twitter: 2 a 1 para ele. As duas diferenças foram que tomaram vinho em vez de café e saíram não cada um para seu lado, mas para o mesmo lugar, o apartamento de Lúcia na Vila. Ali, ela falou de um filme que tinha amado, Reflexos da Inocência. Ele não conhecia. Ela contou a ele a história e disse que estava louca para fazer a cena da dança da música do Roxy Music. Ele topou. Ela deu as coordenadas, e então colocou alto a música, depois de ter passado maquiagem nele para fazer o papel de Roxy Girl.

Júlio não estava muito à vontade no papel de Roxy Girl, mas Lúcia arrasava. Era parecida com Felicity Jones, a atriz. E dançava e dublava com a mesma naturalidade com que tuitava. Lúcia mexia os braços exatamente como no filme, com graça e destreza. Ensaiara no espelho muitas. Júlio ficou mesmerizado. Terminaram no sofá, um tirando avidamente a roupa do outro, ela molhada já mas com lucidez suficiente ainda para tirar o som de seu Blackberry e pô-lo para vibrar, ele excitado e engraçado com a maquiagem. Júlio não pensou nem no twitter e nem nas preliminares, e entrou direto em Lúcia. Ela se contorceu, colocou os braços por trás da cabeça suada dele, berrou como Meg Ryan naquele filme, e mexia os dedos freneticamente, acariciando a nuca de Júlio com a mão de direita.

Ambos chegaram ao êxtase, a melhor cópula de 2016 para os dois, e se ajeitaram como dava no sofá estreito, ela com uma perna sobre ele e a cabeça sobre seu peito. Lúcia depois de alguns minutos disse que ia tomar uma ducha. Júlio disse que a esperava. Mal ouviu o som do chuveiro, ele correu sorrateiro ao laptop de Lúcia. Entrou no twitter, digitou sua senha e ia colocar uma frase de Júlio César, “vim, vi, venci”, quando levou um susto. Não, não era possível. Houve um erro no twitter. Um post de Lúcia, feito alguns minutos antes? Apertou os olhos para ver se era algum problema de visão. Não era. Era Lúcia mesma, e ali estava escrito que a mensagem fora enviada do Blackberry. “Tuitar no sexo é uma arte para poucos: envolve perícia, astúcia e senso de oportunidade”.