Twitter de Bolsonaro confunde espaço público com o privado e configura desvio de poder, diz jurista. Por Caique Lima

Atualizado em 14 de dezembro de 2019 às 19:24

São diversos os usuários bloqueados por Bolsonaro em redes sociais. Os bloqueios vão desde cidadãos que discordam de sua atividade política e se manifestam pelas redes até analistas e jornalistas, alguns até alinhados ao projeto de direita.

É o caso de Vera Magalhães, do Estadão e da Jovem Pan, que foi bloqueada por ele em outubro. Ela considerou “atitude voluntarista, autoritária e antirrepublicana”. 

No mesmo dia, depois do protesto, Vera Magalhães foi desbloqueada pelo filho do presidente, Carlos Bolsonaro, o Carluxo, que, segundo a jornalista, estava “brincando na conta do presidente de República” enquanto ele viajava. 

Já o jornalista Willian de Lucca acionou o STF (Supremo Tribunal Federal) diretamente após ser bloqueado pelo presidente.

Segundo ele, seus advogados disseram que isso “fere os princípios de transparência e moralidade da administração pública”.

Quase três meses depois, a ministra Carmem Lúcia, que foi relatora do caso no STF, deu 10 dias para que o presidente se explicasse sobre a situação.

A inspiração do jornalista foi a decisão judicial americana: nos Estados Unidos, o ídolo de Bolsonaro, Donald Trump, foi proibido de bloquear críticos nas redes sociais pela Justiça

Uma das finalidades do Twitter do presidente dos Estados Unidos é a mesma que a de Bolsonaro: servir como veículo de informação do governo, uma espécie de Diário Oficial da União. 

Para Marcos Augusto Perez, que é Professor Doutor de Direito Administrativo da Faculdade da Universidade de São Paulo (USP), “a decisão do judiciário norte-americano pode influenciar positivamente a Justiça brasileira, pois está baseada em princípios que também contemos em nosso ordenamento jurídico, em nossa Constituição. Mas creio que a Justiça brasileira terá dificuldades de analisar um caso como esse, diante da novidade que representa, da falta de uma legislação mais robusta e detalhada e da falta de especialização da maioria dos juízes nesse tipo de matéria”.

A Justiça americana proibiu que Trump bloqueasse críticos sob a justificativa de que seus tuítes eram “de natureza governamental”.

O presidente brasileiro usa o Twitter com esse intuito (como anunciar projetos e assuntos oficiais), mas também o utiliza para atacar críticos e até demitir ministros. Trump também utiliza a rede social para atacar adversários.

E, mesmo que suas redes sociais sejam administradas pela Secom (Secretaria de Comunicação), o Departamento de Conteúdo e Gestão de Canais Digitais da secretaria diz que:

As redes sociais pessoais do(s) presidente(s) da República têm caráter privado, sendo a responsabilidade de seu conteúdo do próprio detentor das contas.

Dessa forma, a Secretaria Especial de Comunicação Social da Presidência da República não tem gestão sobre esse conteúdo“.

Essa confusão faz com que se misturem posts de natureza pessoal de Jair Bolsonaro e anúncios da presidência (que deveriam ser feitas no Diário Oficial da União).

Além disso, dois dos princípios básicos da administração pública, que constam no Artigo 37 da Constituição, são: publicidade e impessoalidade.

O Professor acredita que “[Bolsonaro] faz uso de uma conta pessoal para difundir notícias oficiais (na verdade ora oficiais, ora não)”. 

Ele diz que “a legislação brasileira não cuida disso de modo direto e deveria claramente impedir que o presidente usasse uma conta privada para veicular conteúdos que incorporam a comunicação da ‘presidência da república’ e limitar a utilização dessa comunicação aos desígnios que estão no art. 37, § 1º da Constituição”.

O parágrafo do artigo citado da Constituição diz que:

“A publicidade dos atos, programas, obras, serviços e campanhas dos órgãos públicos deverá ter caráter educativo, informativo ou de orientação social, dela não podendo constar nomes, símbolos ou imagens que caracterizem promoção pessoal de autoridades ou servidores públicos”

Para o jurista Marcos Augusto Perez, que deu entrevista ao DCM, “mesmo na ausência de uma lei mais clara, a confusão do espaço público com o privado, no caso da comunicação, configura desvio de poder do presidente, usa-se a presidência e a suposta comunicação de atos, programas e obras, para uma propaganda eleitoral sem fim”.

Liberdade de expressão:

Para ele, é preciso diferenciar críticas de discursos de ódio ou fake news

Com exceção dessas situações, ele acredita que “o bloqueio [de críticos no Twitter] pode ferir, a depender das circunstâncias, a liberdade de expressão”.

Ele cita o artigo 5o. da Constituição, que define os direitos fundamentais (entre eles, o direito à imagem e à honra) e diz “a ponderação entre eles, à vista das circunstâncias sociais, econômicas, históricas e propriamente jurídicas, é que vai determinar se pode ou não pode [bloquear usuários em redes sociais], ou como pode”.

“O ideal, no meu modo de ver, seria a legislação prever instâncias de auto-regulação pelas grandes empresas de dados que disseminam conteúdo pela internet. Enquanto isso não ocorrer vamos estar nas mãos do judiciário, que não tem o timing nem o preparo para resolver esse tipo de questão”, acrescenta.

É inegável que Bolsonaro usa seu Twitter não como pessoa física, mas na condição de presidente da república e, nesse sentido, não pode discriminar os cidadãos.

Marcos Augusto Perez é Professor Doutor de Direito Administrativo da Faculdade da Universidade de São Paulo (USP). Foto: Divulgação