Tylenol causa autismo? O que a ciência diz sobre a fake news espalhada por Trump

Atualizado em 13 de outubro de 2025 às 18:35
Donald Trump, presidente dos EUA, e Robert F. Kennedy, secretário de Saúde. Foto: Andrew Caballero-Reynolds/AFP

Em uma reunião de gabinete no início da semana, o presidente Donald Trump repetiu o alerta mentiroso para gestantes evitarem Tylenol e para não administrarem o analgésico a bebês. A fala ganhou contornos mais amplos depois de intervenção de Robert F. Kennedy Jr., que afirmou: “Existem dois estudos que mostram que crianças que são circuncidadas precocemente têm o dobro da taxa de autismo. E é altamente provável que seja porque recebem Tylenol”. Com informações do “The Washington Post”.

Kennedy acrescentou uma ressalva: “nada disso é positivo, mas tudo isso são coisas às quais deveríamos estar prestando atenção”. As declarações reacenderam discussões nas redes sociais e mobilizaram cientistas e pediatras a responderem com cautela.

A hipótese já circula há mais de uma década e tem origem em ao menos dois estudos que receberam atenção e críticas. Um artigo de 2013, publicado na Environmental Health, apontou correlação entre prevalência de autismo em homens em oito países e taxas de circuncisão, associando o fenômeno ao uso de paracetamol em procedimentos neonatais.

Outro estudo, de 2015, com dados dinamarqueses, sugeriu aumento de 46% a 62% no risco de transtorno do espectro autista entre meninos circuncidados nos primeiros 10 anos de vida — hipótese que os autores vincularam ao trauma da cirurgia.

Especialistas contestaram ambos. Helen Tager-Flusberg, professora emérita, chamou o estudo de 2013 de “bastante deplorável” e questionou falhas metodológicas, incluindo a omissão de variáveis-chave como idade parental e aumento nos diagnósticos ao longo do tempo.

Cápsulas de Tylenol. Foto: reprodução

Pesquisadores que refutaram o estudo dinamarquês apontaram comparação seletiva e ausência de controle para outras causas de dor ou tratamentos, como anestesia geral. Kennedy citou ainda, em postagem, um pré-print que, segundo ele, “valida diretamente meu ponto de que a correlação de autismo observada em meninos circuncidados é melhor explicada pela exposição ao acetaminofeno, não pela própria circuncisão” — estudo que, por ser pré-print, ainda não passou por revisão por pares.

Em reação, médicos alertam para o risco de confundir correlação com causalidade. Komal Kumar, obstetra e ginecologista, disse: “I would warn the americans against presuming that correlation equals causality”.

Para pais e responsáveis, a recomendação de especialistas permanece: consultar pediatras e seguir orientações clínicas. Hospitais infantis orientam que o acetaminofeno só deve ser usado conforme indicação médica em menores de 12 meses, geralmente para febre, e que muitas circuncisões ocorrem antes dessa idade.

A comunidade científica pede estudos mais rigorosos, com controle de variáveis e revisão por pares, antes de qualquer mudança de política pública. Enquanto isso, profissionais enfatizam que dúvidas devem ser tratadas com médicos e não com base em correlações preliminares.

Augusto de Sousa
Augusto de Sousa, 31 anos. É formado em jornalismo e atua como repórter do DCM desde de 2023. Andreense, apaixonado por futebol, frequentador assíduo de estádios e tem sempre um trocadilho de qualidade duvidosa na ponta da língua.