
Hoje, 11 de abril de 2020, é o marco de um ano da retirada de Julian Assange da Embaixada do Equador em Londres. Aquele momento infame, quando membros do Metropolitan Police Service arrastaram o editor do WikiLeaks, fraco e doentio, para fora de seu antigo santuário, foi transmitido para todo o mundo.
Apenas uma semana antes, comemorou-se o aniversário de 10 anos do lançamento do notório vídeo “Collateral Murder” (Assassinato Colateral) pelo WikiLeaks.
Muitos suspeitam que a decisão do governo equatoriano de Lenin Moreno de rejeitar as proteções concedidas por seu antecessor, foi o desfecho de acordos de bastidores com o governo Donald Trump. Suspeita-se que este acordo incluiu a autorização de um empréstimo de US$ 4,2 bilhões do Fundo Monetário Internacional, apenas um mês antes de Assange ser retirado da Embaixada.
Assange passou quase sete anos na embaixada, e em seu último ano em condições tão severas que seu pai, John Shipton, descreveu a situação como de ‘vigilância total’ – onde até suas comunicações legais privilegiadas estavam sendo interceptadas, inclusive nos banheiros femininos da embaixada.
O grupo de trabalho da ONU sobre detenção arbitrária concluiu que Assange esta sendo detido ilegalmente e pediu sua liberação imediata. Apesar dessa decisão oficial e da proibição internacional de revogar a proteção de um asilado (princípio de não-repulsão) enquanto o perigo que resultou em conceder o asilo ainda persistir, o homem de 48 anos teve sua cidadania equatoriana revogada e foi entregue às autoridades britânicas.
Desde então, o jornalista multi-premiado passou o último ano em Belmarsh, a infame prisão de segurança máxima do Reino Unido, um lugar conhecido por ser reservado aos “piores dos piores”, para os criminosos mais perigosos e violentos. Apesar de completar sua sentença de 50 semanas por alegadamente violar suas condições de fiança, ao ter procurado e obtido asilo político, Assange permanece encarcerado em confinamento solitário por 23 diárias enquanto contesta judicialmente a sua extradição para os Estados Unidos.
No dia 25 de março, a juíza distrital, Vanessa Baraitser, recusou o pedido de liberdade condicional de Assange. Duas semanas depois, a mesma juíza decide que as audiências de extradição recomeçarão normalmente em 18 de maio, ignorando o pedido dos advogados de defesa de que eles não podem consultar seu cliente para as próximas audiências, já que toda visita à prisões estão vetadas devido à pandemia do COVID-19. A equipe jurídica já estava tendo problemas graves para acessar o cliente antes disso, uma questão pela qual a juíza demonstrou pouco interesse e repetidamente se recusou-se a intervir.
Assange teve quatro quadros diferentes de infecções das vias respiratórias e, portanto, é considerado vulnerável, podendo ser severamente afetado pelo vírus. Ao menos uma morte pelo vírus já foi registarda em Belmarsh, mais de 100 funcionários da prisão encontram-se em auto-isolamento, e pelo menos 15 outros presos estão infectados. Esta prisão, em estado de superlotação há anos, está à beira do surto de COVID, do qual os especialistas vêm alertando.
Não chega a ser surpreendente que a juíza Baraitser tenha indeferido o pedido de liberdade condicional de Assange e o pedido de adiamento da segunda parte da audiência de extradição para o final do ano. Afinal, é a mesma juíza que ignorou o parecer do relator especial da ONU sobre tortura e de dois outros especialistas médicos, de que o jornalista encarcerado mostrava sintomas claros de ‘ tortura psicológica’.
Assange permanece, portanto, na prisão, embora países em todo mundo, incluindo o Irã, tenham libertado milhares de prisioneiros devido ao medo da propagação do COVID-19 dentro de suas instalações de detenção. O governo do Reino Unido finalmente anunciou que libertará até 4.000 prisioneiros não violentos (muito menos do que os 15.000 aparentemente solicitados pela Associação Prisional) que estão chegando ao fim de suas sentenças. Assange não se qualificará para esse grupo de liberação antecipada porque, como nos disseram, ele está em prisão preventiva e, portanto, ainda não foi condenado por um crime. Esta é provavelmente a explicação mais Kafkaniana do Ministério da Justiça da Grã-Bretanha já tenha pronunciado.
“Prisioneiros condenados e pessoas em prisão preventiva estão entre os mais vulneráveis ao contágio viral, pois são mantidos em um ambiente de alto risco”, afirmou recentemente Dunja Mijatovic, comissária de direitos humanos do Conselho da Europa. “Em geral, os centros de detenção não são adaptados para enfrentar epidemias em larga escala”, acrescentou ela, pedindo que a detenção seja usada apenas como último recurso. Esta é também a mensagem que está sendo divulgada pela Organização Mundial da Saúde, pelo comitê anti-tortura do Conselho da Europa e outros órgãos de especialistas.
Mas está claro que a juíza Baraitser quer que a audiência de extradição de Assange seja concluída o mais rápido possível. Ela ressaltou que o governo reiniciará as audiências de instrução 20 de abril e, portanto, ela deve assumir que o “quadro global” permitirá que as audiências de julgamento da extradição prossigam normalmente. Em sua decisão, ela omitiu quaisquer considerações sobre o impacto do COVID no direito de defesa de Assange, o que poderia resultar em um fundamento para um recurso contra sua decisão final. Baraitser disse que está aberta a mudar de idéia se os fatos se alterarem, porém se deve perguntar o quão ruim as coisas devem ficar para que ela mude.

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Mohamed Elmaazi é jornalista e colaborador no Reino Unido para o Open Democracy, The Canary, The Grayzone e Sputnik International. Seu blog pessoal é TheInterregnum.net e Twitter @MElmaazi.
Este texto é exclusivo para o Diário do Centro do Mundo (DCM).