Um ano depois, o desastre que o Estadão desonestamente se recusou a enxergar. Por Charles Nisz

Atualizado em 10 de outubro de 2019 às 16:33
Jair Bolsonaro e Fernando Haddad. Foto: Agência Brasil

Por Charles Nisz

Em 8 de outubro de 2018, um dia após o primeiro turno das eleições presidenciais, o Estadão estampava editorial com o título “Uma escolha muito difícil”. O jornal paulista considerava que entre Fernando Haddad (PT) e Jair Bolsonaro (PSL), o eleitor tinha uma decisão espinhosa a tomar.

Conforme o segundo turno se aproximava, a imprensa tentou sempre normalizar a candidatura de Bolsonaro, colocando o capitão do Exército e o candidato do PT como polos opostos e simétricos. Dizia o editorial que “pela primeira vez, desde a redemocratização, a disputa de segundo turno não teria um candidato de centro”.

Decerto que o Estadão admitia que Jair Bolsonaro era um ”truculento apologista da ditadura militar”.

Mas o acerto na avaliação ficou por aí. Para o editorialista, Haddad, um excelente prefeito em São Paulo, ministro da Educação e professor universitário, era apenas o “preposto de um presidiário”.

O resultado da normalização de Bolsonaro e da tosca igualização entre ele e Fernando cresce a olhos vistos: uma economia cambaleante – com previsão de crescimento de apenas 1% em 2019 -, desastres ambientais, retrocessos na educação, na saúde, na infraestrutura e em outros setores.

Para além disso, há censura – velada e explícita – às artes, intromissão do governo em agências regulatórias e outros órgãos cujo funcionamento sempre foi preservado seja com FHC, Lula, Dilma e até sob o governo do golpista Michel Temer.

Também podemos comparar a trupe escolhida como ministeriável por Bolsonaro – Salles, Weintraub, Vélez, Moro e Guedes – com os ministeriáveis cogitados por Haddad: Mário Cortella para a Educação, Marcos Lisboa para a Fazenda, Celso Amorim para o Itamaraty, Arthur Chioro para a Saúde, só para ficar num breve comparativo.

Naquele 8 de outubro, o Estadão advertia em seu editorial que “não seria possível que Haddad e Bolsonaro governassem com base no rancor”.

É exatamente o que Bolsonaro está fazendo e como reage a cada vez que é contrariado – seja pelos fatos ou pelo jogo político.

Os dados do Inpe mostram aumento do desmatamento da Amazônia? Demite-se o diretor do órgão. O secretário da Fazenda desmente o plano do governo sobre a volta da CPMF? Cai o secretário.

A Folha de São Paulo faz jornalismo e mostra falhas do governo? O presidente ameaça cortar a verba publicitária. O presidente francês Emmanuel Macron cobra que o Brasil tenha responsabilidade com a Amazônia? Bora chamar Brigitte Macron de feia. Não é postura de um mandatário, mas de um moleque briguento de 15 anos de idade.

Mas é no campo do combate à corrupção onde está o calcanhar de Aquiles do capitão reformado.

Milhões de eleitores votaram em Bolsonaro embalados na promessa de “lutar contra o sistema e tudo que estava aí”. 366 dias depois e qual a avaliação que podemos fazer nesse quesito?

Flávio Bolsonaro, o filho 01, está enrolado até o pescoço com depósitos feitos em dinheiro vivo vindo da “rachadinha” de assessores. E a madrasta Michelle é quem seria a responsável pela “contabilidade” desse dinheiro ilícito. Para piorar, um dos assessores de Flávio, Fabrício Queiroz, braço-direito e faz-tudo do gabinete, é mui amigo da milícia da zona Oeste do Rio de Janeiro.

Sérgio Moro, cover de Batman e super-herói contra a corrupção, usa o Coaf para espiar a movimentação financeira de desafetos do governo e, assim, intimidar quem ousa criticar o regime da “familícia”.

Para além disso, já abriu diversas desavenças entre a Polícia Federal e o governo e ainda precisa lutar contra as diuturnas evidências de que tirou Lula da disputa de 2018 para favorecer o futuro chefe.

Eduardo Bolsonaro, o filho 02 e dublê de chapeiro do McDonalds, usa a influência do pai para cavar o posto de embaixador em Washington e sair do Brasil. Medo de alguma investigação? Há dois anos, uma obscura mensagem do pai no Whatsapp o advertia: ‘Estás fazendo merda aí em Foz do Iguaçu? Eu não vou te visitar na Papuda’.

Por fim, Carluxo. O caçula e xodó do papai comanda a rede virtual que disseminou mentiras a rodo durante a campanha e agora cuida de destruir a reputação de quem ousa criticar Jair Bolsonaro – sejam eles da oposição ou aliados que botaram a mão na cabeça e estão vendo a coleção de asneiras cometidas dia após dia pelo presidente.

366 dias depois desse trágico texto publicado no Estadão, é hora de alguém perguntar ao editorialista se a escolha entre o professor universitário e o capitão ainda se mostra difícil.

Depois dos laranjas, do Golden shower, da Vaza Jato, da Amazônia arder, de muito índio, mulher, índio e LGBT morrer, da economia patinar, da Educação afundar, da Saúde piorar, do salário mínimo arrochar, podemos dizer: a escolha era muito fácil.

Bastava boa vontade e um pingo de dignidade para enxergar.